Papa Francisco: “Seria anormal que não existissem pontos divergentes”

Em entrevista ao Jornal Argentino La Nación o pontífice fala sobre diversos temas, dentre os quais o clericalismo, o sínodo dos bispos e suas questões polêmicas, e a reforma da cúria romana

ROMA, 09 de Dezembro de 2014 (Zenit.org) – Domingo passado, 7 de dezembro, o jornal argentino La Nación publicou uma entrevista exclusiva com o Santo Padre Francisco. Foram 50 minutos nos quais o Pontífice respondeu diversas questões colocadas: sínodo dos bispos e suas questões polêmicas, reforma da cúria, entre outros.

“Me pergunto – disse o Papa – quais são as nossas coisas, dentro da Igreja, que fazem que os fieis não se sintam satisfeitos? E é a falta de proximidade e o clericalismo. A proximidade é o chamado hoje ao católico, a sair e fazer-nos próximos das pessoas, dos seus problemas, das suas realidades. O clericalismo, foi o que disse aos bispos do Celam no Rio de Janeiro, dificultou a maturidade laical na América latina”, disse.

Respondendo à questão sobre a fuga de católicos da Igreja, afirmou que não gosta de usar essa “imagem da ‘fuga’ porque é uma imagem muito ligada ao proselitismo. Não gosto de usar termos ligados ao proselitismo porque não é a verdade. Gosto de usar a imagem do hospital de campanha: existem pessoas muito machucadas que nos esperam para curar as suas feridas, feridas por mil motivos. E temos que sair para curar feridas”.

O Papa Francisco se mostrou muito surpreso e estranhou certas expressões pós-sinodais divulgadas pela mídia, do tipo “a barca está sem timoneiro”. “Não me consta que tenham falado isso. Nos meios de comunicação aparece como se tivessem falado. Mas, até que se pergunte ao interessado: ‘Você falou isso?’, mantenho a dúvida fraterna, afirmou o Papa argentino, destacando que tudo está bastante claro: “Olha, eu escrevi uma encíclica, é verdade, a quatro mãos, e uma exortação apostólica. Continuamente estou fazendo declarações, dando homilias e isso é magistério. Isso que está aí é o que eu penso, não o que os meios dizem que eu penso. Vá lá e vai encontrar e está bem claro; Evangelium Gaudium é muito clara”.

Por outro lado, Bergoglio não se assusta pela existência das resistências, das opiniões contrárias que surgem e até acha sadio que seja assim. “As resistências agora se evidenciam, mas para mim é um bom sinal, que sejam ventiladas, que não sejam ditas às escondidas quando não se está de acordo. É sadio ventilar as coisas; é muito sadio”, além do mais, “considero as resistências como pontos de vista distintos, não como coisa suja”. Até mesmo porque “seria anormal que não existissem pontos divergentes”.

Nesse sentido, o Papa Francisco diz que também não gosta de falar de “limpeza” da cúria. “Diria de fazer andar a cúria na direção que as congregações gerais [as reuniões que antecedem o conclave] pediram” E ainda falta muito, revelou o pontífice porque “nas congregações gerais pré-conclave, os cardeais pedimos muitas coisas e deve-se seguir adiante em tudo isso”, disse.

Bergoglio mesmo nunca pensou que iria ser Papa. A sua única intenção depois do conclave – revelou à jornalista de La Nación – era voltar à Buenos Aires e dedicar-se às confissões no santuário de Luján. Porém, sem prévio aviso, teve “que voltar a começar com tudo isso de novo. E uma coisa que falei para mim mesmo desde o primeiro momento foi: ‘Jorge, não mudes, continue sendo o mesmo, porque mudar na tua idade é fazer o ridículo’”.

Sobre o cardeal Burke e as fofocas de que ele foi expulso pelo Papa depois do sínodo por causa do seu modo de atuar, o pontífice quis esclarecer o que realmente aconteceu. Um dia o cardeal Burke lhe “perguntou o que ia fazer, já que ainda não tinha sido confirmado no seu cargo, na parte jurídica, e estava com a fórmula de donec alitur provideatur (“até que se disponha outra coisa”). E lhe disse: “Deixe-me um pouco de tempo porque o G9 está pensando em uma reestruturação jurídica”, e lhe expliquei que ainda não tinha nada feito e que estavam pensando” – afirmou o Pontífice. “E depois surgiu o da Ordem de Malta e ali se precisava de um americano vivo, que pudesse se mexer nesse âmbito e me veio à mente ele para esse cargo”. Sendo assim lhe “propus muito antes do sínodo”, reiterou. “E lhe disse: ‘Isso vai ser depois do Sínodo porque quero que você participe no sínodo como chefe de dicastério’, porque como capelão de Malta não podia”. O Papa ainda acrescentou: “E bom, me agradeceu muito, em bons termos e aceitou, até gostou, pelo que me parece. Porque ele é um homem que gosta de movimentar-se muito, de viajar e vai ter trabalho aí”. Portanto, concluiu o pontífice: “não é certo que o dispensei por como tinha se comportado no sínodo”.

 

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