Cardeal Erdö: não deixar a família sozinha, mas apoiá-la em sua estrada

Relatio ante disceptationem: anunciar a beleza da família, que, apesar de tudo, é escola de humanidade

CIDADE DO VATICANO, 07 de Outubro de 2014 (Zenit.org) – O cardeal Peter Erdö, relator geral do Sínodo dos Bispos, foi o encarregado de fazer a chamada “relatio ante disceptationem”, ou apresentação prévia à discussão dos trabalhos do sínodo, que foram iniciados nesta segunda-feira e se estenderão até o domingo 19 de outubro.

Na exposição do cardeal, os pontos principais foram a consideração da família com esperança e com misericórdia, anunciando-se o seu valor e a sua beleza: a família é sempre uma “escola de humanidade”, apesar das dificuldades e dos fatores desagregadores que a machucam, como o divórcio, o aborto, a violência, a pobreza, os abusos, o pesadelo da precariedade, o desequilíbrio causado pelas migrações, entre outros vários.

Sobre as situações maritais difíceis, ele recordou que Igreja é uma “casa paterna” e que os afetados devem se sentir amados pela comunidade eclesial, o que não anula o compromisso matrimonial. Ele disse ainda que, depois de um divórcio, enquanto o primeiro cônjuge continuar vivo, não é possível um segundo matrimônio reconhecido pela Igreja.

Erdö também declarou que muitos matrimônios celebrados podem não ser válidos e que a sentença de nulidade deve evitar a impressão de um divórcio.

O cardeal conclui a apresentação dizendo que a proposta do sínodo tem que “ir além do círculo dos católicos praticantes” e que é necessário tornar atraente a mensagem cristã a respeito do matrimônio e da família.

***

A “relatio ante disceptationem”, feita pelo cardeal Erdö, destacou os pontos principais acerca dos quais se desenrolará a discussão do sínodo, levando-se em conta os textos escritos pelos padres sinodais e enviados à secretaria geral antes do início dos trabalhos.

Durante estas duas semanas, reúnem-se no Vaticano cardeais, bispos, sacerdotes e leigos para discutir o tema escolhido por Francisco para este sínodo: “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”.

Em primeiro lugar, a relação do cardeal Erdö convida a olhar para família com esperança e com misericórdia, anunciando-se o seu valor e a sua beleza, já que, apesar das muitas dificuldades que é preciso enfrentar, a família não é um “modelo descartado”.

O cardeal afirma que vivemos num mundo baseado em emoções, no qual a vida “não é um projeto, mas uma série de momentos”, e onde “o compromisso estável parece temível” para o ser humano, que está muito fragilizado pelo individualismo. Mas é precisamente diante desses “sinais dos tempos” que o evangelho da família se apresenta como um “remédio”, como uma “verdade medicinal” que precisa ser proposta. Para isso, temos que nos “colocar no lugar daqueles que mais têm dificuldade para reconhecê-la como tal e para vivê-la”.

É preciso, portanto, dizer não ao “catastrofismo ou à abdicação” dentro da Igreja. “Existe um patrimônio de fé claro e amplamente partilhado”, observa o cardeal. Por exemplo, ideologias como a teoria do gênero e a equiparação das uniões homossexuais com o casamento entre homem e mulher não gozam de consenso entre a grande maioria dos católicos, enquanto o matrimônio e a família continuam sendo vistos, amplamente, como um “patrimônio” da humanidade que deve ser protegido, promovido e defendido.

Muitas vezes, mesmo entre os crentes católicos, a doutrina é pouco conhecida ou praticada, mas “isto não significa que ela esteja sendo condenada”.

É o caso, em particular, da indissolubilidade do matrimônio e da sua sacramentalidade entre os batizados. Não se questiona a doutrina da indissolubilidade do matrimônio como tal: ela permanece incontestada e, em grande parte, é observada na prática pastoral da Igreja com as pessoas que fracassaram em seu matrimônio e que procuram um recomeço. Portanto, precisa o cardeal, este sínodo não discute as questões doutrinais, mas sim as questões práticas, que são inseparáveis, por outro lado, das verdades da fé; este é um sínodo, enfatiza Ërdo, de natureza pastoral.

Daí a necessidade de maior formação, especialmente para os noivos, a fim de serem plenamente conscientes tanto da dignidade sacramental do matrimônio, baseado na “unicidade, fidelidade e fecundidade”, quanto do fato de o casamento ser “uma instituição da sociedade”.

Embora ameaçada por “fatores desagregadores”, como o divórcio, o aborto, a violência, a pobreza, os abusos, o pesadelo da precariedade, o desequilíbrio causado pelas migrações, a família é sempre uma “escola de humanidade”, explica o cardeal Erdö. ”A família é praticamente a última realidade humana acolhedora num mundo determinado quase de modo exclusivo pelas finanças e pela tecnologia. Uma nova cultura da família pode ser o ponto de partida para uma renovada civilização humana”, observa ele.

O cardeal destaca, por isso, que a Igreja apoia a família concretamente, mesmo que essa ajuda “não possa prescindir de um compromisso eficaz dos Estados” na tutela e na promoção do bem comum, mediante políticas adequadas.

Quanto a quem vive situações maritais difíceis, o cardeal Erdö enfatiza que a Igreja é uma “casa paterna” para eles: é necessária “uma ação de pastoral familiar renovada e adequada”, em especial para que eles se sintam amados por Deus e pela comunidade eclesial, numa perspectiva misericordiosa que não deixe de lado, porém, “a verdade e a justiça”. O relator sublinha que a misericórdia não anula os compromissos que nascem das exigências do vínculo matrimonial: eles continuam subsistindo inclusive quando o amor humano se debilitou ou cessou. Isto significa que, no caso de um matrimônio sacramental consumado, depois de um divórcio, enquanto o primeiro cônjuge continuar vivo, não é possível um segundo matrimônio reconhecido pela Igreja.

Por outro lado, dada a diversidade de situações como divórcio, casamento civil, convivência, o cardeal Erdö destaca a necessidade de “diretrizes claras” para que os pastores das comunidades locais possam ajudar concretamente os casais que enfrentam problemas, evitando as improvisações de uma “pastoral caseira”. Quanto à situação dos divorciados que voltaram a se casar civilmente, o purpurado observa que criaria confusão “concentrar-se apenas na questão da recepção dos sacramentos”: é necessário enxergar um contexto mais amplo, de preparação para o matrimônio e de ajuda, não burocrática, mas pastoral, para que os cônjuges entendam as razões do fracasso do primeiro matrimônio e identifiquem elementos úteis para a sua não validade. Assim, “deve-se levar em conta a diferença entre quem culpavelmente rompeu um matrimônio e quem foi abandonado [pelo cônjuge]. A pastoral da Igreja deveria cuidar destas pessoas de modo particular”.

Não só isso: considerando-se a escassa consciência que existe hoje sobre o sacramento do matrimônio, além da difusão da mentalidade favorável ao divórcio, “não parece imprudente” considerar que muitos matrimônios celebrados na Igreja podem ser não válidos. Daí a sugestão do texto do cardeal de se reconsiderar, em primeiro lugar, a obrigatoriedade da dupla sentença conforme a declaração de nulidade do vínculo matrimonial, sempre que se evitem “o mecanicismo e a impressão da concessão de um divórcio”, além de “soluções injustas e escandalosas”.

A última parte do documento do cardeal Erdö se concentra no Evangelho da vida: a existência humana vai da concepção até a morte natural. Por isso, a abertura à vida é “uma parte essencial, uma exigência intrínseca” do amor conjugal, enquanto hoje em dia, em especial no Ocidente, os casais que deliberadamente optam por não ter filhos ou que fazem de tudo para tê-los se veem esmagados pela própria capacidade de autodeterminação.

“O acolhimento da vida, o ato de se assumirem responsabilidades para gerar a vida e o cuidado que ela requer só é possível se a família não é concebida como um fragmento isolado, mas sim percebida como enxertada num tecido de relações”, explica o purpurado. “É cada vez mais importante não deixar a família ou as famílias sozinhas, mas acompanhar e apoiar o seu caminho”. Deste modo, por trás das tragédias familiares, há com muita frequência uma desesperada solidão, um grito de sofrimento que ninguém soube escutar.

Ërdo destaca ainda a importância de se “recuperar o senso de solidariedade, ampla e concreta”, superando-se a “privatização dos afetos” que esvazia a família de sentido e a confia à decisão do indivíduo; é necessário criar, no âmbito institucional, as condições que facilitam a acolhida de uma criança e o cuidado de um idoso como “um bem social a tutelar e favorecer”. Por sua vez, a Igreja deve cuidar de modo particular da educação da afetividade e da sexualidade, explicando o seu valor e evitando a sua “banalização e superficialidade”.

Para encerrar, o cardeal Erdö fala do desafio do sínodo: propor, “indo além do círculo dos católicos praticantes e considerando a situação complexa da sociedade”, a força cativante de atração da mensagem cristã no tocante ao matrimônio e à família, dando respostas verdadeiras e impregnadas de caridade, porque “o mundo precisa de Cristo”.

 

Scroll to Top