A Família no centro das atenções – 12. A ousadia de mudar o ‘foco’ da nossa atenção.

Recentemente, tive a oportunidade de ler um texto sobre a família do qual transcrevo o parágrafo que se segue:

“A importância do tema não carece de especial justificação. As mudanças rápidas que se verificam em todos os setores da vida repercutem-se e condensam-se também na família, emergindo aí às vezes ainda com maior virulência. E à estabilidade e segurança de outrora corresponde hoje, com frequência, a sensação de que a família está «em crise», de que pairam sobre ela «ameaças de destruição». De qualquer modo e ao nível mais elementar, põe-se a pergunta pelo futuro da família: o futuro das relações e das estruturas que a constituem, do lugar que é chamada a ocupar na maturação da pessoa e na construção da sociedade.”

 

O texto parece-me ser o suficientemente claro, dando conta da situação em que nos encontramos e dos desafios a que somos chamados a responder, pelo que não carece de maiores e mais desenvolvidas explicações. O motivo pelo que o partilho convosco, queridos leitores, não reside aí, mas na sua data. Com efeito, este pequeno excerto foi tirado da introdução de um dos números da Revista Communio (Revista Internacional Católica, na sua edição Portuguesa) no longínquo ano de 1986. Feitas as contas podemos perceber que ele foi escrito aproximadamente há trinta anos, e, no entanto, por aquilo que afirma, poderia tê-lo sido hoje. Ora é precisamente essa circunstância que motiva esta minha partilha.

Trinta anos são, poderíamos dizer, o espaço de uma geração, pelo que julgo ser possível afirmar que existe uma geração que sempre ouviu falar da família como estando numa situação de crise, ou seja, esta linguagem corre o risco de já pouco a interpelar. Com isto não estou a querer ignorar, ou mesmo reduzir, todas as dificuldades e desafios que se levantam hoje à família e aos quais não devemos deixar de estar atentos, nem podemos deixar de responder. O que quero destacar é que esses mesmos desafios e dificuldades, se bem que tenham contornos novos, não são novidade para a família. Se pensarmos bem, talvez tenhamos de reconhecer que a família, em todos os momentos e circunstâncias, sempre teve de os ter em conta e de os enfrentar, pelo que tentar caraterizar a situação atual da família a partir da categoria da crise não me parece ser a melhor opção.

Qualquer reflexão minimamente séria sobre a família põe em destaque aquilo que poderemos considerar serem duas evidências. Por um lado, a família revela-se ao longo dos tempos como uma forma de organização humana de caráter universal e supracultural; por outro, sabemos que não existe a família «em si», pois ao longo da história descobrimos os mais variados modelos familiares que se configuraram conforme os desafios que surgiram das mais diversas situações geográficas, sociais, religiosas, culturais, económicas, etc. A partir destas evidências torna-se mais fácil perceber que existe uma certa tensão que é inerente à própria realidade familiar, uma vez que esta, em cada momento presente, é chamada a refletir e a assumir uma práxis que seja capaz de contribuir para o amadurecimento da pessoa e a construção da sociedade.

Sinceramente, estou convencido que devemos ousar outro caminho e outra linguagem, que sem ignorar, repito, as dificuldades e os desafios, destaque outras realidades que estão igualmente presente na família. Seguindo esta linha de reflexão, recorro de novo ao texto anteriormente citado, transcrevendo um outro parágrafo:

“Investigações recentes indicam que, mesmo nas sociedades mais evoluídas da Europa, a família não ocupa um lugar marginal no interesse das pessoas. Pelo contrário, e não obstante mudanças na avaliação global e em aspetos pontuais, ela continua a ser vista e experimentada como um valor fundamental. E para a consciência crente, que lê os sinais dos tempos dentro de uma confiança original que brota do saber-se inserida numa história da salvação, a pergunta pelo futuro da família é vista com uma grande esperança. A esperança de que, não obstante todas as transformações e sobretudo através delas, a família se conserve e se renove como algo indestrutível ao serviço da vida, da pessoa, da sociedade, como lugar privilegiado de experiência de Deus e de construção da Igreja.”

Também este excerto poderia ter sido escrito hoje, já que é igualmente capaz de traduzir bem o momento em que nos encontramos, não só na importância que as pessoas continuam a atribuir à família, como também naquilo que deve ser a atitude da comunidade crente. Destacar esta importância da família, sublinhando como ela continua a ser considerada um valor fundamental e um sinal de esperança, parece-me ser um caminho mais acertado para, no tempo presente, anunciarmos e propormos o Evangelho da família. Em vez de olharmos o momento que estamos a viver a partir da perspetiva da crise, talvez o devamos olhar mais a partir da perspetiva da oportunidade, percebendo como o Evangelho é uma proposta capaz de apontar sempre novos caminhos de realização do humano. A este nível as famílias cristãs têm um papel fundamental a desempenhar. Sem deixarem de viverem e pertencerem ao tempo presente, podem testemunhar a beleza profunda do Evangelho, pelo sentido e felicidade que ele confere às suas vidas.

Escrito por Juan Ambrósio e publicado em Jornal da Família, março de 2015

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