Síria, onde os pais não sabem se as crianças voltarão da escola…

O testemunho de Samaan Daoud, refugiado cristão sírio que fugiu com sua família para a Itália

Roma, 20 de Outubro de 2015 (ZENIT.org) – “Eu sou um sírio e um cristão, sou de Damasco, nascido e criado apenas alguns metros de distância do lugar onde São Paulo se converteu. Tenho muito orgulho da minha origem”. Com essas palavras solenes e cheias de emoção, Samaan Daoud, refugiado cristão sírio, começou a narração da sua experiência durante o congresso “A Jihad, do Oriente à nossa casa”, que aconteceu na tarde de ontem, 19 de outubro, na Sala dos Grupos parlamentares, em Roma.

Samaan, pai de família, em um italiano perfeito, explicou que mudou-se para a periferia de Damasco quando se casou. Morava em uma região residencial, tranquila, pelo menos até março de 2011, data do começo do conflito que está destruindo a Síria.

Mas a onda de ódio não poupou nem sequer os lugares mais distantes dos centros de poder da capital síria. A sua casa, em particular, encontrava-se em um ponto central da batalha entre o exército regular e os grupos rebeldes. “Os tiros de morteiros chegaram ao jardim de casa”, disse.

Acima de tudo, metaforicamente, tais tiros chegaram ao seu coração, causando-lhe feridas que o tempo não poderá apagar. O homem lembra que um tiro de morteiro, um dia, levou um dos seus filhos e atingiu de morte outra criança na saída da escola. “A cada dia, na Síria, quando os pais enviam as crianças para a escola sabem que poderiam não voltar para casa”, explica.

Além disso, entre as dezenas de milhares de mortes que a guerra provocou na Síria, muitos são crianças. Dos quase 4 milhões de refugiados, quase a metade são crianças. Números que testemunham como as vítimas principais da guerra sejam os mais inocentes.

E que testemunham, ao mesmo tempo, o estado irreprimível de tensão em que vivem os sírios. “O grito Allah akbar tornou-se maldição para nós, porque cada vez que eu o ouvíamos compreendíamos que estavam chegando os grupos terroristas para trazer-nos a guerra, e não a benção do Senhor”, afirma Samaan.

O grito sinistro tornou-se sempre mais frequente aos seus ouvidos e dos seus vizinhos de casa, também quando se mudou de novo para o centro de Damasco. Há um ano e meio, mais ou menos, os rebeldes começaram a usar mísseis mais fortes nesses lados, de longo alcance, capazes de atingir também o coração da capital síria de lugares bem distantes.

A situação tornou-se tão insuportável que, não sem partir o coração, ele e sua família decidiram abandonar sua terra e mudar para a Itália, onde Samaan viveu por vários anos durante os estudos universitários.

A família Daoud está, há um mês, na Itália, mas deixou o coração e a mente na Síria. Quase emocionado Samaan recorda a condição da Síria hoje. Quando estava em Damasco, muitas vezes, acompanhou jornalistas italianos para ser tradutor. Os seus olhos viram a deterioração causada pelo ISIS, “em aldeias não apenas cristãs, mas também muçulmanas”, frisa. E acrescenta: “Por que estes terroristas estão matando todos aqueles que não estão dispostos a aceitar a sua linha”.

No futuro o Oriente Médio poderia encontrar-se com mais nenhuma presença cristã. Na Síria – reflexão de Samaan – os cristãos eram “o fermento”, porque embora representando 10% da população, era dentro da sua comunidade que pulsavam a cultura e o fermento industrial.

Por um lado Samaan diz que inveja aqueles que permaneceram na Síria, porque “são mártires vivos, que ainda caminham – diz – . São pessoas que não foram mortas, mas que levam a cruz cada dia”. Cruz que se manifesta nestes meses, sob forma de falta de água e de luz elétrica, em grandes regiões populares de Damasco assediadas pelos tiros de morteiro.

Na conclusão de seu discurso Samaan citou o escritor e filósofo libanês Kahill Gibran, que, em seu livro “As tempestades”, de forma poética descreve as perseguições do passado e prenuncia a experiência trágica que está vivendo ainda hoje o Oriente Médio: “Mas, a minha família não morreu rebelando-se, e nem sequer destruída pela guerra e nem sequer pelos detritos de durante um terremoto. A minha família morreu crucificada”.

 

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