Ser ou não ser empresa B Corp: eis a questão

Ser empresa B Corp é muito mais do que uma certificação, é uma forma de estar. O objectivo da certificação não é ter um selo de qualidade e aumentar a venda de produtos e serviços. É garantir que as empresas têm no seu DNA transparência, ética, impacto social e ambiental, sendo realmente socialmente responsáveis

 

POR CLÁUDIA PEDRA

Ser uma empresa B Corp é ser uma “empresa que usa os negócios como uma força para o bem”. Talvez por isso a Stone Soup Consulting já fosse uma empresa B Corp, antes de o ser. Desde a nossa criação, decidimos que a missão social guiaria as nossas acções, e que o nosso modelo de negócio teria de reflectir o nosso posicionamento ético e proposta de valor.

Se queríamos cumprir a missão e maximizar o impacto social das organizações e empreendedores sociais, teríamos de gerir a empresa não só com a missão em mente, mas como fio condutor de todas as nossas actividades. Esse posicionamento reflecte-se no modelo de negócio que definimos: reinvestimos todos os lucros e guardamos uma percentagem de todos os projectos para premiar a investigação em inovação social: o Stone Soup Award on Research in Social Innovation.

Mas ser uma empresa ética e responsável não é algo isento de desafios. Tivemos que definir objectivos de impacto social e ambiental, melhorar os nossos métodos de medição, criar instrumentos que promovessem a transparência e responsabilização e garantir que todos os nossos consultores percebiam o nosso enfoque na capacitação das organizações e empreendedores e no ganho de eficiência e eficácia conducentes a um maior impacto social. Nesse processo também falhámos. Esquecemo-nos de medir o nosso impacto em algumas acções, nem sempre dedicámos tempo suficiente ao desenvolvimento de competências e tivemos de criar novos e melhores processos para garantir o sucesso da capacitação. Tudo isso revelámos no nosso Honesty Report, um instrumento concebido em prol da transparência e da responsabilização.

O processo de certificação B Corp levou-nos a questionar-nos, uma vez mais. Levou-nos a questionar a nossa relação com os fornecedores, a olhar para a nossa governação e a reforçar a nossa aposta na diversidade. Para obter a certificação tivemos de ter registos criteriosos que demonstram o nosso compromisso em melhorar o desempenho da empresa no cumprimento de objectivos sociais e ambientais ainda mais ambiciosos. Tivemos de perceber melhor como funcionam os nossos fornecedores e se há, efectivamente, respeito pelos direitos humanos, em toda a nossa cadeia de valor. Tivemos de comprovar que estamos a contribuir para o bem comum.

Quando temos um claro objectivo de impacto social, não podemos deixar que problemas de gestão, de tempo ou de recursos nos desviem desse caminho

E assim surgiu o grande desafio que se lança a todos: como dedicar tempo à melhoria e criação de processos, quando temos de ter a sustentabilidade financeira como prioridade? O investimento em sistemas de medição de impacto, processos de planeamento estratégico ou instrumentos de comunicação parecem secundários quando no dia-a-dia há tantas dificuldades no acesso a fontes de receitas e/ou financiamento. Como conseguir que uma empresa ou uma organização social seja financeiramente sustentável e mantenha uma missão social clara e relevante? A resposta está na famosa frase de António Machado: “Caminhante, não há caminho. Faz-se o caminho ao andar”. É preciso focalizar nos impactos e não nos recursos. Dar um passo de cada vez.

E que quer isto dizer? Quer dizer que quando temos uma visão de longo prazo, quando temos um claro objectivo em termos de impacto social, não podemos deixar que nada nos desvie desse caminho. Nem problemas de gestão, nem problemas de tempo, nem problemas de recursos. Temos de assegurar que o nosso foco é na transformação social a que nos propomos e nas pessoas que queremos beneficiar. Isso significa que temos de investir em processos, em instrumentos, em capacitação, não para um objectivo de curto prazo, mas para um impacto sistémico de médio e longo prazo. As boas notícias: não é preciso fazer tudo ao mesmo tempo e radicalmente mudar uma organização em três dias ou três meses. Podemos e devemos traçar um caminho possível.

Voltando ao processo de certificação B Corp, ele dá-nos um caminho: torna-nos mais atentos ao que deveríamos fazer e obriga-nos a criar formas de continuar a fazê-lo. O que implica criar prioridades estratégicas e definir um curso de acção que nos garanta que os recursos necessários existem. Para isso, precisamos de perceber as nossas opções, estar atentos a novas formas de financiamento, criar inovação, usar a criatividade, perceber as tendências do mundo. Há muitas maneiras de fazê-lo, muitas maneiras de criar parcerias estratégicas e aplicar técnicas que trazem sustentabilidade financeira. Uma sustentabilidade que nos garanta os recursos para cumprir a missão social. O que, por sua vez, implica criar prioridades e capacidade técnica. Nesse intuito, e tentando melhorar o que detectámos na nossa própria avaliação, lançámos a Stone Soup Academy, para ajudar na definição das melhores estratégias.

A Stone Soup é agora uma empresa B Corp. O certificado junta-nos a uma comunidade de mais de 2 mil empresas em 50 países com um verdadeiro empenho em transformar a sociedade, de forma positiva. Fazer parte desta comunidade é ter acesso a boas práticas, práticas que inspiram, e que vêm dos quatro cantos do mundo.

As tendências demonstram que os agentes de transformação social podem ter inúmeros formatos – empreendedores ou ONGs, cooperativas ou IPSS, negócios sociais ou empresas… O formato parece ser irrelevante, desde que o seu DNA seja contagiado de ética, transparência, responsabilização e impacto. O bem social vem de muitas fontes, felizmente também do sector empresarial. As B Corp são disso exemplo.

Artigo publicado em “Valores, Ética e Responsabilidade” – ACEGE, 2 março 2017

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