Para acabar com os “refugiados”

“1400 anos de Islão, não nos erradicaram das nossas terras e das nossas igrejas. As atuais políticas do Ocidente, essas sim, nos dispersaram e espalharam por todo o mundo” (AF AF 30/7/2014) – Com a crueza da verdade confirmada (Relatório Chilcot), o Patriarca católico de Babilónia dos Caldeus, Louis Raphael I Sako, denuncia as consequências da invasão americana-ocidental do Iraque, sob o falso pretexto de apear a “ditadura” e impor a “democracia”.

 

A guerra provocou a destruição das instituições, dos suportes da convivência, ordem e autoridade e gerou a insegurança que não mais deixou o quotidiano. O caos minou a confiança e os equilíbrios sociais e soltou os demónios da violência sectária que culminaram no radicalismo do “Estado islâmico”, inimigo da coexistência cultural, social e religiosa tolerante e pacífica de muitos séculos.

Os cristãos foram alvos preferidos. Viviam aqui desde os primeiros séculos e reflectiam nas suas diferenças o pluralismo doutrinal, cultural e organizativo da evolução da primitiva Igreja. Dispersos por aldeias, nos vales dos rios e nas colinas, também em algumas cidades, preservaram a identidade das crenças originais e a fidelidade à matriz comum. Expulsos de zonas e povoados onde eram população maioritária e conviviam pacificamente com os muçulmanos, há séculos, foram espoliados violentamente dos seus bens e forçados a errar sob a ameaça da violência arbitrária das armas e o imprevisto dos bombardeamentos. Reduzidos à extrema pobreza, sem condições de subsistência e protecção, procurar o exílio foi a última tentativa de sobrevivência. “Os cristãos que permanecem no Iraque são apenas os pobres e os da classe média e dentre eles 100 mil desabrigados” (AF 19.5.2016). “Antes da guerra, eram um milhão e quinhentos. Agora são menos de quinhentos mil e muitos deles vivem como refugiados longe de suas casas” – testemunha o Patriarca Sako. (AF 9.7.2016).

Também na Síria, os cristãos são os grupos mais vulneráveis  da desestabilização e insegurança geral. Dos 4 milhões de refugiados sírios, os cristãos são cerca de 500 mil. “A Síria está-se esvaziando de cristãos. Dão todo o dinheiro que têm para chegar ao Líbano e dali fugir do Oriente Médio. Enquanto isso, as potências estrangeiras e a comunidade internacional jogam lenha na fogueira ao invés de forçar as partes a negociar uma solução ao conflito, para porem fim a este massacre” – informava uma fonte que hoje, ultrapassada no tempo, peca por defeito (AF 29.11.2012).

Do estrangeiro, os primeiros imigrados constituem um desafio permanente para os familiares e amigos que ficaram. Os EUA servem-se da instabilidade das “minorias” cristãs para lhes propor a participação nos seus planos de luta contra o Daesh: as “milícias cristãs” de autodefesa das comunidades cristãs do Iraque e na Síria seriam destinatárias privilegiadas do seu apoio logístico militar. Chega a falar-se em “guerra santa” a propósito da intervenção russa. A hierarquia das Igrejas cristãs locais recusa essa linguagem. Não há guerra “santa”. A guerra é injustiça imposta violentamente. Não é admissível qualquer intervenção estrangeira se não favorece o entendimento e a paz entre as partes desavindas. “Todos querem usar os cristãos… na perspetiva dos seus interesses económicos ou políticos” – acusa o Patriarca Sako e adverte: “Os cristãos, se quiserem ter futuro, devem integrar as instituições e seguir as legítimas autoridades que governam o local em que vivem”. Quanto aos EUA “Apoiem os exércitos regulares comandados pelo governo central e pelo autónomo do Curdistão, em vez de criar milícias sectárias” (AF 19.5.2016).

As populações cristãs do Médio e Próximo Oriente são autóctones. Já eram cristãs e habitavam as suas terras muito antes de haver islamismo. Não são uma tribo, não são uma minoria étnica. Nas campanhas para justificar a criação de “milícias cristãs” – faz notar o Arcebispo sírio-católico de Hasské, Jacques Hindo – “o cristianismo é reduzido à ideologia de guerra usada por grupos tribais, enquanto os cristãos, no caminho da história e até no meio de tantas contradições, reconheceram que é preciso deixar nas mãos dos Estados e das instituições civis a força para defender o povo, a partir dos mais fracos” (AF 2014.6.2016).

Nesta linha, as orientações da hierarquia aconselham  os cristãos a organizarem-se dentro de uma participação política abrangente não confessional para poderem defender os direitos e assumirem os deveres democráticos comuns a todos os cidadãos. Os cristãos querem apenas assegurar o seu reconhecimento como cidadãos de pleno direito e participarem na criação de condições de vida na sua terra que levem à convivência pacífica e harmoniosa e ao de bem-estar para todos. Para isso procuram preservar os direitos de propriedade dos seus bens para manter aberta a possibilidade de regresso tranquilo dos que tiverem de fugir e se encontram exilados fora ou dentro do próprio país. Às instâncias internacionais, aos países intervenientes nos conflitos pedem apenas que favoreçam a paz e a justiça, que invistam os recursos que gastam na guerra para construírem uma sociedade justa onde haja pão e trabalho, aberta à participação de todos. O problema da “invasão” dos refugiados na Europa estará resolvido quando se criarem condições de convivência pacífica nos seus países, “quando das espadas se forjarem foices”, e houver trabalho e prosperidade nas suas terras. Então permanecerão os que ficaram e voltarão os que fugiram. O problema dos refugiados só tem solução na terra de origem, evitando as condições que produzem “refugiados”.

“Apreciamos todos os esforços humanitários de governos e organizações. No entanto, devemos afirmar sem meios-termos: não podemos ser protegidos, facilitando a migração dos refugiados. Não pedimos proteção. Queremos apenas a paz. Uma paz “que não se baseia em conceitos de minorias e maiorias, fundada na coexistência, na cidadania e no teor religioso não extremista” – é o apelo dos Patriarcas sírio-ortodoxo e greco-ortodoxo de Antioquia em Mensagem conjunta por ocasião da última Páscoa. Anima-os a esperança: “Continuaremos a viver neste Oriente, a tocar os nossos sinos, a construir as nossas igrejas e a erguer as nossas cruzes. Os braços estendidos das nossas cruzes se unirão aos dos nossos irmãos muçulmanos” (AF 22.4.2016).

 

Nota: Artigo foi baseado em informações da Agência Fides

 

Escrito por Octávio Morgadinho e publicado em Jornal da Família, outubro de 2016

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