DEPOIS DA FAMÍLIA, A MISERICÓRDIA

Texto de Ricardo Perna, publicado em Família Cristã, dezembro de 2015

Depois de dedicar dois anos à temática da Família, que concluíram com um sínodo que apelou ao acolhimento de todos pela Igreja, o Papa Francisco decreta um Ano Santo dedicado à Misericórdia. Uma consequência lógica para quem, durante este tempo em que muito se falou da importância de a Igreja acolher todas as famílias no seu seio, independentemente da sua situação, e de ter uma linguagem positiva que fosse inclusiva, não exclusiva, sempre apelou a um acolhimento geral. «Desejo que o Jubileu seja uma experiência viva da proximidade do Pai, como se quiséssemos sentir pessoalmente a sua ternura, para que a fé de cada crente se revigore e assim o testemunho se torne cada vez mais eficaz», dizia o Papa numa mensagem para o Ano da Misericórdia, publicada a 1 de Setembro.

A celebração do Jubileu católico tem origem no Jubileu hebraico, onde a cada 50 anos, durante um ano, chamado ano sabático, eram libertos escravos, as dívidas eram perdoadas e as terras deixavam de ser cultivadas, entre outras coisas. Estas comemorações são referenciadas na Bíblia, nomeadamente no Levítico (Lv 25, 8). Na tradição católica, o Jubileu tem também a duração de um ano, mas com um sentido mais espiritual, consistindo no perdão dos pecados dos fiéis que cumprem certas disposições eclesiais estabelecidas pelo Vaticano (Indulgências).

«Para viver e obter a indulgência, os fiéis são chamados a realizar uma breve peregrinação rumo à Porta Santa, aberta em cada catedral ou nas igrejas estabelecidas pelo bispo diocesano, e nas quatro basílicas papais em Roma, como sinal do profundo desejo de verdadeira conversão. Estabeleço igualmente que se possa obter a indulgência nos santuários onde se abrir a Porta da Misericórdia e nas igrejas que tradicionalmente são identificadas como jubilares. É importante que este momento esteja unido, em primeiro lugar, ao sacramento da Reconciliação e à celebração da santa Eucaristia com uma reflexão sobre a misericórdia. Será necessário acompanhar estas celebrações com a profissão de fé e com a oração por mim e pelas intenções que trago no coração para o bem da Igreja e do mundo inteiro», explica o Papa na sua carta.

Em termos práticos, um dos desejos do Papa, para além de permitir que todas as pessoas recebam a indulgência via Porta Santa, é que mais pessoas se aproximem do sacramento da Reconciliação. Como tal, instituiu 1000 sacerdotes da misericórdia, que se irão distribuir por todo o mundo. Estes sacerdotes terão a possibilidade, durante este Ano Santo, de perdoar pecados que até aqui apenas estavam reservados ao Papa, e fazem-no na condição de enviados especiais do sumo Pontífice. Na prática, serão poucos os pecados que irão perdoar às pessoas, já que os pecados cuja absolvição está reservada ao Papa são reduzidos e muito específicos, mas a medida simbólica de ter um enviado especial do Papa Francisco em cada diocese tem um significado mais abrangente que isso. Por outro lado, todas as igrejas são convidadas a alargarem os horários e a disponibilidade dos sacerdotes para a confissão, para além do pedido de Francisco de que as igrejas estejam mais horas de portas abertas, para poderem acolher quem se pretende dirigir até lá.

Outra das medidas mais significativas que Francisco irá implementar neste Ano da Misericórdia é a possibilidade de todos os sacerdotes poderem absolver mulheres que tenham cometido abortos e todas as pessoas que tenham auxiliado no processo. Este pecado dá direito a excomunhão imediata da Igreja, chamada latae sententiae, e a revogação da excomunhão está destinada apenas ao bispo local ou a algum sacerdote por ele designado. No entanto, e apenas durante o Ano da Misericórdia, essa faculdade foi concedida pelo Papa a todos os sacerdotes. «O perdão de Deus não pode ser negado a quem quer que esteja arrependido, sobretudo quando com coração sincero se aproxima do sacramento da Confissão para obter a reconciliação com o Pai. Também por este motivo, não obstante qualquer disposição em contrário, decidi conceder a todos os sacerdotes para o Ano Jubilar a faculdade do pecado de aborto quantos o cometeram e, arrependidos de coração, pedirem que lhes seja perdoado», referiu Francisco no mesmo documento.

Em Roma, haverá a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro, e os fiéis são encorajados a passar por ela depois de um percurso de penitência, confissão e arrependimento. Neste sentido, a Santa Sé sugere alguns itinerários pelas diferentes igrejas de Roma, onde estarão sacerdotes a confessar e onde se poderão preparar melhor para essa entrada que concede a indulgência.

«O percurso principal, proposto especialmente para aqueles que vêm de longe para viver o Jubileu em Roma, será certamente aquele que conduz à Basílica de São Pedro. Entre o Castelo de Sant’Angelo e a Basílica Vaticana, será preparado um percurso especial através do qual os peregrinos percorrem a pé a Via da Conciliação para entrarem na Praça de São Pedro e assim passarem pela Porta Santa, permanecendo em oração e recolhimento espiritual.

Antes de chegar a esta parte final da peregrinação, os peregrinos são convidados a parar numa das três igrejas que serão o verdadeiro ponto de partida deste itinerário: San Giovanni Battista dei Fiorentini (São João Batista dos Florentinos), San Salvatori in Lauro (São Salvador em Lauro) e Santa Maria in Vallicella (ou Igreja Nova).

Situadas logo na outra margem do Tibre, estas três igrejas oferecem diariamente, durante todo o Ano Santo, acolhimento espiritual aos peregrinos, tendo sacerdotes disponíveis para as confissões (em várias línguas) e também adoração eucarística contínua. Por vezes referidas também como “jubilares”, estas igrejas são de facto o ponto de partida privilegiado para a peregrinação à Porta Santa de São Pedro, pois permitem peregrinar com a justa disposição do coração e do espírito, ou seja, depois da celebração do sacramento da Reconciliação e de ter contemplado, por momentos, o rosto misericordioso de Deus», pode ler-se no sítio Web da organização deste Ano Santo.

Em Portugal, algumas dioceses, como Lamego e Vila Real, também já confirmaram à FAMÍLIA CRISTÃ que irão ter itinerários para os fiéis percorrerem até chagarem às portas santas. Todas as dioceses terão, no mínimo, uma porta santa aberta nas catedrais, mas algumas como Lisboa, Leiria, Bragança-Miranda, Algarve e Lamego, indicaram-nos que estão a preparar a abertura de mais portas jubilares noutros pontos da diocese, para permitirem que mais gente tenha acesso às indulgências. Para além disso, irão elaborar guiões de apoio com passos, textos e orações para os peregrinos se prepararem antes de passarem a Porta Santa. Neste sentido, a PAULUS Editora publicou já a “colecção oficial” do Ano da Misericórdia, um conjunto de livros com o objectivo de ajudar os fiéis a viverem melhor este ano.

Se o sínodo deu a tónica do acolhimento, este Jubileu da Misericórdia é o “toque de caixa” para que toda a Igreja, entre religiosos e leigos, assuma como essencial esta vertente do Cristianismo, a que Jesus Cristo deu tanta importância, tornando-as de novo a marca principal da acção católica no mundo.

 

 

 

 

 

 

 

OBRAS DE MISERICÓRDIA

A Igreja Católica define dois tipos de obras de misericórdia, acções e gestos concretos do amor de Deus no próximo, que todo e qualquer católico deve fazer: as obras de misericórdia corporais e as espirituais.

 

AS SETE OBRAS DE MISERICÓRDIA CORPORAIS:

  1. Dar de comer a quem tem fome.
  2. Dar de beber a quem tem sede.
  3. Vestir os nus.
  4. Dar pousada aos peregrinos.
  5. Visitar os enfermos.
  6. Visitar os presos.
  7. Enterrar os mortos.

 

AS SETE OBRAS DE MISERICÓRDIA ESPIRITUAIS:

  1. Dar bons conselhos.
  2. Ensinar os ignorantes.
  3. Corrigir os que erram.
  4. Consolar os tristes.
  5. Perdoar as injúrias.
  6. Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo.
  7. Rezar a Deus por vivos e defuntos.

 

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