As novidades do processo de nulidade de casamento e os tempos atuais

Nos anos 70 havia a verdade, hoje há várias verdades

11 fevereiro 2016 – As inovações no processo de nulidade de matrimônio constituem corolário de uma releitura da família cristã. Não que o supremo legislador, isto é, o papa, aquiesça com as variegadas ideologias de distintos matizes, mas está-se cada vez mais cônscio das mutações que sofre a família tradicional. Com efeito, o núcleo familiar se encontra bombardeado e dilacerado pela sociedade contemporânea, pós-moderna. A mera existência de tantos tribunais eclesiásticos Brasil fora e no mundo inteiro denota certa falência da instituição do casamento. Sabe-se que as causas que tramitam nas cortes canônicas são grandemente matrimoniais: obra de 99% dos processos!

 

A Igreja, no entanto, fiel ao seu divino fundador, não se afadiga de inculcar a indissolubilidade do vínculo nupcial. As alterações processuais que entraram em vigor em dezembro de 2015 não representam atentado contra a indissolubilidade; quer-se, tão somente, facilitar o procedimento de declaração de nulidade, vez que, na maioria das situações, realmente não existiu o casamento, tratando-se de um ato nulo ou írrito.

Não desejo aqui arrostar a imensa problemática que afeta a “nova família”. Sem embargo, é deveras estranho pensar que não faz bastantes anos – antes de 1977- que o próprio Estado brasileiro tutelava a indissolubilidade do vínculo matrimonial, coibindo o divórcio! Quanta coisa se transformou em tão pouco tempo! Os cristãos soem denunciar a nefasta inversão de valores, ou seja, o mal parece haver tomado o lugar do bem.

Haverá um remédio para obviar tão inquietante estado de coisas? A Igreja deve se fazer esta pergunta, porquanto é missão dela comunicar o evangelho de nosso Senhor e, desta feita, zelar pelo sacramento do matrimônio. Um dos recursos à mão é decerto o ensinamento constante, vale dizer, o ininterrupto discurso em prol da família tradicional. Apenas a Igreja católica age desta maneira. Nenhuma outra entidade social, civil ou religiosa, abroquela a indissolubilidade do himeneu. É vero que boa parte de nossos irmãos separados, os protestantes, de fogo e sangue escudam a família tradicional, nada obstante, admitem o divórcio. Por não tolerar o divórcio, a Igreja católica é odiada; desamam a barca de Pedro sobreposse os detratores da família.

Como perscrutar as raízes profundas que explanam um tal câmbio súbito de comportamento: até 1977, brasileiros éramos todos católicos, respeitávamos as instâncias religiosas e cívicas; agora, empós apenas quatro decênios, não mais se valorizam nenhumas instituições, nem religiosas nem cívicas? O que aconteceu? Conforme escrevi linhas acima, não pretendo engendrar uma análise percuciente a propósito destas vicissitudes históricas, mesmo porque careço de competência profissional para tanto. Todavia, quero confidenciar uma intuição.

Os católicos tradicionalistas usam increpar de infidelidade o Concílio Vaticano II. Estão rotundamente enganados! Quem lê os dezesseis documentos conciliares não tem dúvida de que se salvaguardou a sã doutrina católica. Quiçá determinado “espírito do Concílio” haja provocado imbróglio. Porém, os tentames dos padres conciliares não hão de ser menoscabados, já que aqueles graves varões anelavam por um concílio de fibra pastoral, que dialogasse com o mundo hodierno. Demais, a Igreja nunca cessou de blasonar sermões inconcussos em favor da família tradicional.

No Brasil, os anos 70 transcorreram sob os auspícios de governos militares. De fato, o advento da democracia na década de 80 constituiu a realização de um sonho patriótico. A todas as luzes, a democracia é melhor do que a ditadura. Lembro-me, entretanto, que um famoso futebolista chegou a dizer que “os brasileiros não estavam preparados para a democracia.” Criticaram-no sobremaneira por essa frase.

Com a democracia, que é um bem, sobreveio a ditadura do relativismo, que é um mal. O que é a verdade? Sabiam-no perfeitamente os conterrâneos que, como eu, eram crianças ou jovens nos anos 60 e 70. Na escola industriavam-se os princípios objetivos da verdade, através de disciplinas como Educação Moral e Cívica, por exemplo. Os valores cristãos serviam de paradigma na ditadura, a qual, aliás, foi deflagrada, a instâncias inclusive da Igreja, para combater o comunismo ateu. Moral da história: até pouquíssimo tempo atrás, havia uma única verdade, que injetava vigor nos cidadãos; hoje em dia, há várias verdades, ao sabor de cada ideologia, sendo o catolicismo somente uma dessas verdades. Numa farragem de verdades a todo gosto, a instituição familiar vê-se contaminada, a p onto de quase soçobrar. Daí os casamentos nulos ou inexistentes, contraídos por nubentes inoculados pelo vírus do relativismo, que, de lés a lés, atinge a todos nós.

 

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