As crianças não são uma propriedade, mas uma experiência de dom

A experiência da paternidade/maternidade à luz dos estudos e das teorias de psicólogos, psicanalistas e pedagogos

Por Anna Fusina

 

ROMA, 20 de Junho de 2014 (Zenit.org) – Françoise Dolto, famosa psicanalista francesa, argumentava que as crianças não nos pertencem. Dizia que os pais deveriam ‘adotar’ os próprios filhos, mas que, infelizmente, não o fazem, muitas vezes: “Nunca se tem um filho igual ao que se sonhou, tem-se um certo tipo de criança e é preciso deixar que cresça segundo a sua verdade: muitas vezes, em vez disso, fazemos o contrário”. [1] De acordo com Andrea Canevaro, professor de Pedagogia na Universidade de Bologna, “uma criança deve ser aceita por aquilo que é, e, ao mesmo tempo, deve ser considerada por aquilo que ela será, muito além do que nós queremos que ela se torne.” [2]

A criança é uma pessoa ‘original’, ou seja, uma pessoa que só poderá adquirir um pleno desenvolvimento se lhe for permitida a aquisição de uma identidade própria, que a levará a tornar-se alguém “nunca existido antes (nem sequer na imaginação de quem a ama ou a colocou no mundo ou a sonha de acordo com modelos ideais percebidos como absolutos). Bons pais respeitam o ‘projeto’ misterioso escondido na semente original de cada filho, não o considera filho propriedade sua, mas ‘filho da vida’ mesma, daquela vida onde terá que, um dia, inserir-se autonomamente e como protagonista, abandonando a matriz psicológica dos pais, onde cresceu”. [3]

“A paternidade – afirma a Professora Vanna Jori, docente de Pedagogia na Universidade Católica de Milão – é o primeiro projeto pedagógico: projeto em si individual por meio das relações familiares; projeto de casal na relação com o parceiro para realizar um percurso comum; projeto para o filho, que depois se torna projeto com o filho através de uma perene mediação entre as expectativas sobre eles e o que o filho cotidianamente, com margens sempre crescentes de autonomia, escolhe para si”. [4]

Um provérbio de Quebec (Canadá) afirma que “os pais só podem dar duas coisas aos seus filhos: as raízes e as asas” [5].

Ser pai e mãe é ‘estar ao lado’ do filho em todas as fases do seu desenvolvimento: na primeiríssima idade, protegendo, guiando e estimulando a criança para o conhecimento de si mesma e do mundo onde vive, utilizando as superiores capacidades físicas e psíquicas das quais um adulto é dotado; posteriormente, atuando como um apoio para a separação psicológica da família e para as experiências de inserção gradual no ambiente extrafamiliar e a aquisição da autonomia pessoal.

De acordo com Gloria Soavi, psicóloga e psicoterapeuta, “a criança tem uma necessidade fundamental para poder crescer de uma forma harmoniosa e desenvolver o seu potencial, e, para além de toda categoria social, psicológica e pedagógica, pode-se resumir em uma única necessidade primária (…): ser amada. Esta necessidade de amor é dividida em diferentes ações; ser aceita, acolhida, cuidada, acompanhada, reconhecida nas suas necessidades, reforçada nas suas expectativas e capacidades, tudo o que lhe dá a possibilidade de criar um laço, que será o laço primário primária sobre o qual, depois, construirá todos os laços sucessivos e com os quais se enfrentará emotivamente por toda a vida. Quem é pai sabe de quantas atenções constantes e coerentes no tempo, precisam os pequenos para crescer e para se tornarem adultos equilibrados e suficientemente felizes. O essencial do ser filho, portanto, está fundamentalmente na relação com os pais por meio da construção deste laço único e complexo que se desenvolve ao longo da vida e que modifica continuamente, mas permanece como essência, como raiz e se for positivo como um recurso ” [6].

É absolutamente necessário, portanto, que as relações pai-filho sejam baseadas no amor incondicional pela criança. O amor é, porém, um sentimento sujeito a alguns riscos: pode tranformar-se em propriedade, egoísmo, chantagem, projeção de si mesmo sobre o outro. Também o amor generoso, infinito, desinteressado de um pai e de uma mãe por um filho, pode, em alguns casos, transformar-se em posse egoísta da criança, pode desembocar em atitude autoritária, em controles obsessivos delas. O Cardeal Angelo Scola observa que “a tentação de possuir, a de não permitir que a criança seja profundamente ‘outra’, ou seja, verdadeiramente livre, ameaça constantemente o amor paterno e materno. Aceitar o risco da liberdade dos filhos, de fato, é a prova mais radical na vida dos pais: desejar-se-ia livrar os filhos de toda dor, de todo mal. Esta dramaticidade, presente em toda relação humana, torna-se especialmente aguda na relação pai/mãe- filho. O laço é, aqui, de tal forma poderoso que dá a percepção de que, se o outro – o filho – se perde, me perco também eu – mãe ou pai -. Então, torna-se forte a tentação de reduzir o filho a si, fazendo-o uma espécie de extensão da própria pessoa”. [7]

Como observa Guido Cattabeni, médico especialista em psicologia clínica, “a fim de avançar em suas relações interpessoais, a criança precisa de experiência, inicial e posteriormente confirmada, de ser amada por si mesma, sempre, aconteça o que acontecer a ela ou da forma que se comporte. Somente a partir dessa experiência, fortemente valorizadora, pode nascer na criança a confiança em si mesma e nos outros, o desejo e a capacidade de amar o outro como ‘a si mesmo’, a disponibilidade de fazer próprias as regras da convivência social e a contribuir a melhorar (aquisição de um papel social criativo).” [8]

A criança, portanto, deve ser acolhida e amada por si mesma e não pelas suas qualidades, a partir do momento em que existe a sua presença na família. Os pais, ao doar-se ao filho, devem, às vezes, saber ‘renunciar a si mesmos’. A fecundidade é uma experiência de dom e de ‘autodesprendimento’. Ensina que perder para encontrar (Mc 8:35) é o segredo da vida, sem a qual ela perde o seu significado. (…) O segredo da vida não se encontra na própria vida, que deve ser mantida com todo cuidado: é preciso renunciar a si para dar-se a alguém. Se a vida quer se encontrada deve ser perdida no ato da liberdade que concorda com ela como a uma graça e a uma promessa”. [9] (Trad.TS)

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Fonte: vitanascente.blogspot.it

[1]     L. ALLOERO, M. PAVONE, A. ROSATI, Siamo tutti figli adottivi. Otto unità didattiche per parlarne a scuola, Rosenberg & Sellier, Torino 1991, p. 128

[2]     A. CANEVARO, prefazione all’edizione italiana di J. Cartry, “Genitori simbolici”, Edizioni Dehoniane, Bologna 1989

[3]     L. ALLOERO, M. PAVONE, A. ROSATI, cit., p. 174

[4]     http: // iis.comune.re.it/osservatorio-famiglie/strumenti/strumenti 3/012_9.htm

[5]     L. ALLOERO, M. PAVONE, A. ROSATI, cit., p. 123

[6]     G. SOAVI, Quando il bambino impara ad essere figlio in “La famiglia per il bambino” (a cura di Associazione F.I.A.B.A. di Vicenza e A.N.F.A.A. di Torino), Atti del Convegno, Vicenza 8/11/2003, p. 1

[7]     A. SCOLA, Genealogia della persona del figlio in “I figli: famiglia e società nel nuovo millennio”,Congresso Internazionale Teologico-Pastorale – Atti (11-13/10/2000). Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2001, p. 103

[8]     L. ALLOERO, M. PAVONE, A. ROSATI, cit., p. 174

[9]     W. NANNI (a cura di), Adozione, adozione internazionale, affidamento, Piemme, Casale Monferrato 1997, p. 95

 

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