Os argumentos dos negacionistas confrontados com a realidade
Por Di Renzo Puccetti
Roma, 17 de Agosto de 2015 (ZENIT.org) – O candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Marco Rubio, teve um debate bastante duro com o jornalista Chris Cuomo no programa da CNN “New Day”. Marco Rubio, categoria 1971, desde sempre com posições claramente pró-vida, é atualmente senador da Flórida. Chris Cuomo, um ano mais velho, é filho de Mario Cuomo, líder há décadas do Partido Democrático, e irmão de Andrew, atualmente governador do Estado de Nova Iorque. Os Cuomo envolvidos em política apoiaram a interrupção voluntária da gravidez.
No programa o debate entrou no tema do escândalo da Planned Parenthood (PP) (o Colosso dos abortos, acusado de lucrar na venda de órgãos e tecidos de bebês abortados) que está fortemente presente na mídia americana e que levou 13 Estados a questionar a PP e 3 Estados a decidir o corte dos financiamentos públicos para a organização. Quando Marco Rubio defendeu a dignidade do embrião dizendo “A ciência decidiu que é uma vida humana”, Cuomo rebateu: “Não a partir do momento da concepção! ”. “Claro que sim! O que mais pode ser? Não pode se transformar em um animal, não pode se tornar um burro, a única coisa que pode se tornar é um ser humano. É um ser humano, não pode ser outra coisa”, foi a réplica de Rubio.
Através da revista Forbes [1] Arthur Caplan, diretor do departamento de ética médica no Centro Médico Langone da Universidade de Nova Iorque, criticou a declaração de Rubio. De acordo com Caplan a ciência não estabeleceu quando começa a vida humana e para demonstrá-lo apresentou uns 11 argumentos:
1. Caso a vida começasse no momento da concepção seria necessário parar a fecundação in vitro, a pesquisa com as células estaminais (embrionárias, n.d.r), a contracepção de emergência.
2. Matar uma mulher grávida deveria levar à acusação de duplo homicídio
3. Uma mulher não poderia ver utilizado o seu testamento biológico quando está grávida.
4. A ciência não oferece uma linha certa do que seja a concepção: quando um espermatozoide alcança o óvulo, quando penetra a parede da célula ovo, quando começa a recombinação, quando se forma um novo genoma, ou, até mesmo, quando é que esse começa a funcionar?
5. Mais de 70% dos embriões morrem antes de serem implantados no útero materno, portanto, a maior parte das concepções não levam a um ser humano, a concepção, na maioria dos casos, não leva a nada.
6. A Academia Nacional de Ciências dos EUA afirmou em 1981 que a existência de uma vida humana no momento da concepção é uma questão que a ciência não pode dar respostas.
7. Os fatos indicam que o ponto de partida é após a concepção.
8. A concepção cria mais de uma vida, os gêmeos, dois, três, mas em seguida, uma das vidas é absorvida no corpo de outra.
9. No momento da concepção não está claro quantas vidas existem, só se entende mais tarde.
10. Até depois da anidação uma parte das gestações terminam espontaneamente.
11. A concepção é sim o começo, mas o começo só do possível e não do atual.
Em seu artigo Caplan não diz nada de novo. Trata-se de argumentos muito comuns dentre os que apoiam a interrupção voluntária da gravidez. Vamos responder sinteticamente a cada um.
1. Argumento que parece irrelevante. Uma descrição não recebe validez pelas implicações sociais, mas só a partir da correspondência com a realidade. Se tivesse que prevalecer o utilitarismo, então, um escravagista poderia ter afirmado que os negros não são seres humanos porque, caso contrário, a escravidão teria sido abolida com grande prejuízo para a economia.
2. Vale tanto quanto o número 1. Até a nível psicológico a afirmação se demonstra contra-intuitiva. Suponha que a sua mulher espera um filho seu e um ladrão dê um tiro nela. Entra em coma, os médicos dizem-lhe que é morte cerebral, mas que há a possibilidade de dar à luz a criança, mantendo artificialmente as funções vitais. Depois de um mês os médicos lhe comunicam que, infelizmente, a criança não resistiu. Quantas perdas, quantas dores diferentes você experimentou?
3. As mesmas considerações do ponto 1. Além disso o testamento biológico é um péssimo instrumento para a proteção da autonomia do próprio paciente que o lavrou, por exemplo, para a proteção de um outro ser humano.
4. Embora sob pressão da indústria contraceptiva a Associação dos ginecologistas americanos (e por trás dela as outras associações e instituições médicas) tenham mudado o significado do termo concepção para o momento da anidação do embrião no útero materno, todavia, na linguagem cotidiana usada tanto pelos pacientes quanto pelos ginecologistas, entende-se, com isso, a fecundação (fertilização), termo que cientificamente (como evidenciado na nomenclatura da Associação dos Ginecologistas americanos) indica a fusão das membranas do espermatozoide e do ovócito. No monumental manual de embriologia de Scott Gilbert diz: “A fecundação é o processo em que duas células sexuais (gametas) se fundem para criar um novo indivíduo com potencialidades genéticas derivadas de ambos os pais”. Em quanto processo, a fecundação começa com a fusão das membranas dos gametas (singamia) e termina com a fusão do material genético paterno e materno (cariogamia), mas o começo é um, a singamia, o processo que marca a passagem de duas células para um organismo: uma unidade ontológica, não um conjunto de peças, com uma composição genética única (a probabilidade de que os pais habituais deem à luz dois filhos idênticos em dois atos sexuais diferentes menos que 1 por 70.000 milhões) e intrínseca orientação e determinação do desenvolvimento.
5. Se o critério da mortalidade fosse decisivo, então, isso significaria que, nos tempos e lugares onde a mortalidade neonatal e infantil são elevadas as crianças não são seres humanos. Suponham que uma mulher grávida no sexto mês seja coloca em um avião rumo a Kinshasa: enquanto esteja nos céus italianos, onde a tecnologia neonatal é desenvolvida, ela tem dentro de si um ser humano, mas, de acordo com o que Caplan afirma, quando sobrevoa as costas Africanas, onde a probabilidade de sobrevivência de um tal pré-maturo é igual a zero, então, dentro de si não tem mais um ser humano? O argumento implica que, nos braços da morte, não vivem seres humanos e, portanto, seria possível utilizá-los para pesquisas científicas, ou como fonte de órgãos.
6. O conceito foi colocado incorretamente. No documento citado, a Academia Nacional das Ciências EUA, disse: “A proposta S158 (proposta de lei do Senado N. 158 n.d.r) que o termo” pessoa “tenha que incluir” toda vida humana” não tem base na nossa compreensão científica. Definir o momento em que o embrião em via de desenvolvimento torna-se uma “pessoa” deve permanecer uma questão de valores morais e religiosos”. [3] Uma vez que o conceito de pessoa é de natureza filosófica, propriamente falando a Academia das Ciências é declarada incompetente. Misturar o conceito biológico de “vida humana” com o filosófico de “pessoa” é muito perigoso. A própria Igreja, reconhecendo a natureza filosófica do conceito de pessoa, não usou mais a sua autoridade na definição de embrião “pessoa”, considerando suficiente proporcionar o ensino de que o embrião deve ser tratado desde o começo como pessoa e repassando aos negacionistas o ónus da prova: “como um indivíduo humano não seria uma pessoa humana?” (EV, 60).
7. O argumento parece apodítico, impreciso e esquivo: quais fatos? “Depois”? Quando? No nascimento? No desenvolvimento da auto-consciência? Qual o nível de auto-consciência? Para alcançar a autonomia? Qual nível de autonomia? Qual limite, indica o prof. Caplan, além do qual tem-se um ser humano?
8. O processo da possível geminação não nega que um embrião seja um ser humano. Pelo contrário, é usualmente proposto para negar o status de pessoa ao embrião à luz da definição clássica de Boécio. É ainda um argumento ineficaz também neste sentido: a geminação consiste em uma reprodução não sexuada (filiação) do primeiro ser humano (embrião) com formação de um segundo ser humano (que não é idêntico ao embrião parental), enquanto o referido processo possível de “reabsorção” dá origem ao fenômeno do quimerismo, totalmente inconsistente para negar a condição humana do nascituro, exceto se argumentar que os indivíduos com órgãos transplantados de vivos ou cadáveres não sejam mais seres humanos. As milhares de pessoas que vivem com o coração, rim, a medula transplantados, que tomam remédios anti-rejeição e são monitorados pelo quimerismo após transplante não são seres humanos? E o que são?
9. Assim formulada parece irrelevante. Antes de cada censo, não sabemos quantos seres humanos estão presentes em uma área, mas isso não faz aqueles que estão presentes seres não humanos. Bombardear uma área não transforma os que perecem seres não humanos pelo fato de ignorar o número dos que vivem lá.
10. Vale como o ponto 5. Com o acréscimo de que, justamente porque factível os médicos operam sobre fatores que podem determinar a morte do concebido procurando evita-la e ninguém, nem sequer o professor Caplan, acho, diria que ao fazer isso os médicos se comportam como veterinários.
11. Esta afirmação está correta somente se damos para o ser humano a definição de um ser com características diferentes do embrião, por exemplo, se definimos como ser humano um adulto autoconsciente e autônomo. Mas isso é justamente o que o prof. Caplan não provou no seu discurso.
Caplan em seu artigo não esgotou os argumentos pró-aborto, outros existem na literatura [4-6] que são rejeitados com razões sólidas [7-9]. Não podemos ficar surpresos que o sistema acadêmico americano produza um pensamento bioético tão superficial e pouco preciso. Parece, portanto, que Rubio tenha razão ao argumentar que o embrião deve ser considerar, a todos efeitos, uma vida humana.
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NOTAS
1. Arthur Caplan. Marco Rubio And The GOP’s Dangerous Misconception On When Life Begins. Forbes Magazine. 10-8-2015.http://www.forbes.com/sites/arthurcaplan/2015/08/10/marco-rubio-and-the-gops-dangerous-misconception-on-when-life-begins/
2. Scott F. Gilbert. Developmental biology 7th ed. Sunderland MA: Sinnauer Associates 2003. p. 183.
3. William W. Lowrance. The relation of science and technology to human values. In: Craig Hanks. Technology and values: essential readings. 2010 Blackwell Publishing Ltd. pp. 41-42.
4. David Boonin. A defence of abortion. Cambridge University Press. Cambridge (UK) 2003.
5. Ronald Dworkin. Life’s dominion. An argument about abortion, euthanasia and individual freedom. Random House, New York, 1994.
6. Daniel Callahan. Abortion: law, choice and morality. Mc-Millan Company, New York, 1970.
7. Francis Beckwith. Defending life: A moral and legal case against abortion choice.Cambridge University Press, New York, 2007.
8. Robert P. George and Christopher Tollefsen. Embryo. A Defense of Human Life.Doubleday, 2008.
9. Peter Kreeft. Three Approaches to Abortion: A Thoughtful and Compassionate Guide to Today’s Most Controversial Issue. Ignatius Press, 2002.