A sadia educação e a propagação de ideologias – família e sexualidade nas escolas (3 de 3)

No terceiro e último artigo da série, discutiremos como é possível acolher e discutir toda a riqueza da noção de família à luz do conceito filosófico da analogia, sem, ao mesmo tempo, desprezar os critérios da reta razão, da cultura e das tradições religiosas autênticas

 

Brasilia, 18 de Novembro de 2015 (ZENIT.org) Paulo Vasconcelos Jacobina

No artigo anterior, aqui, fizemos uma discussão sobre a conceituação da família à luz da teoria aristotélica das quatro causas, e já ali ficou clara a necessidade de aprofundar a noção de analogia, a fim de possibilitar uma nomeação adequada das realidades análogas à família, sem, ao mesmo tempo, destruir o primeiro analogante – que é aquela realidade familiar que atende perfeitamente às quatro causas – e sem, por outro lado, deixar de incluir como família certas realidades que, embora não se enquadrem perfeitamente em tais causas, guardam em si certa proporção com ela, de tal modo que se pode atribuir o nome de “família” com fundamentadas razões filosóficas.

A categoria lógica da analogia foi perdida na filosofia contemporânea. De fato, somente pode pensar analogicamente aquele que crê na realidade das coisas, e no conhecimento como interpelação feita pelas coisas à inteligência pessoal do ser humano. Aquele que parte de um idealismo filosófico, ou seja, de um “pensamento” que “constrói realidades” desconhece o valor da analogia, porque desconhece a própria contingência criatural e a preexistência lógica da realidade do ser. A analogia, como categoria lógica, para ele não se põe: é substituída pelo “desconstrutivismo” do pensamento do outro e pela “construção” do próprio pensamento elevado a fundamento de realidade. Assim agem os deuses, atropelando pelo caminho, como “opressores”, os que discordam de si.

A nomeação analógica.

Mas para os capazes de se deixar interpelar pelo ser o conhecimento se dá pela abstração: a ordem da realidade, ou das coisas, é a ordem encontrada no mundo. Na ordem da realidade, por exemplo, o remédio é uma causa de saúde nos animais. A ordem da realidade é simplesmente o modo que as coisas são. A ordem do pensamento é um tanto diferente. A diferença se refere ao fato de que as coisas existem no mundo de um modo, e em nossa mente de outro modo. Uma vez que realmente conhecemos as coisas, estas coisas devem, de algum modo, estar na nossa mente. De qualquer modo, eles decisivamente não estão em nossa mente da mesma maneira como existem na realidade. Elas existem na realidade como coisas particulares, e elas estão em nossas mentes não como coisas particulares. Quando a mente vem a conhecer algo, ela forma uma intenção, ou palavra interna, que ela usa para pensar nas coisas que conhece. Esta palavra interna é precisamente uma noção imaterial e universal de uma coisa particular. Assim, a ordem da realidade é a ordem das coisas particulares, e a ordem do pensamento é a ordem das noções universais destas coisas particulares. Esta abstração do universal através do particular faz toda a diferença nas duas ordens do pensamento e da realidade. É assim que, no limite vocabular do nosso falar, eu digo que o remédio é saudável, embora na ordem da realidade a saúde seja um atributo daquele que toma o remédio e se cura. É por isso que o remédio se chama saudável somente por analogia, e, no caso, por uma analogia de atribuição, em que o termo analogante é a saúde do ser vivo que ingere o remédio, e este último é o analogado na condição de causa eficiente. Do mesmo modo, pode-se chamar “saudável”, por analogia, à urina de um ser vivo que não tem doenças, porque é um sinal da saúde daquele ser, embora não a possua em si mesmo.

Há quem defina a analogia como uma “relação de semelhança” entre coisas ou fatos distintos. Mas isto diz muito pouco: a relação de semelhança entre coisas da mesma espécie não pode ser considerada analógica, senão unívoca: duas maçãs parecem entre si, mas não são tratadas como coisas análogas – são submetidas a uma conceituação unívoca. Pai e filho têm relações de semelhança, mas esta relação não gera entre eles nenhuma analogia. Assim, a mera relação de semelhança, por si mesma, não parece induzir ou implicar a analogia. Embora seja indiscutível que onde há analogia, há semelhança, como foi visto no exemplo do remédio, acima, não se pode, por outro lado, concluir que pelo simples fato de existir semelhança, exista analogia. Como dizia o filósofo Leite Penido, “O análogo não é, pois, nem o idêntico, nem o disparatado, mas o ‘semelhante-dessemelhante’, parelha realmente mal ajustada, mas inseparável, realidade híbrida, feita de traços comuns e de fatores diferenciais: ‘na predicação por analogia [diz Aristóteles] o mesmo nome é atribuído a realidades diversas, numa acepção em parte idêntica, em parte diferente”. Ou, mais precisamente, analogia significa proporção, ou proporcionalidade, como explicavam os filósofos gregos. E é neste sentido que se usa aqui: não se trata de estabelecer arbitrariamente uma proporção entre aquilo que é incomensurável, mas reconhecer, a partir de fatos objetivos, quais situações podem apresentar, entre si, uma atribuição analógica que possa representar uma verdadeira proporção. A medida da analogia e a intenção, assim compreendida como a palavra interna, como a forma do conhecido na mente, que, por sua vez, é mensurada pela coisa conhecida. Isto exclui a possibilidade de que a analogia possa ter um uso arbitrário, porque ela tem fundamento nas próprias coisas. Por isso, cada vez que uma figura de poder impõe à população que reconheça uma analogia ali onde não há nenhuma, a democracia encontra-se seriamente ameaçada, porque a razão encontra-se seriamente ameaçada. Sente-se de longe o cheiro da arbitrariedade.

Aplicando a nomeação analógica à família.

Assim, a noção analogante de família, assim compreendida como aquela realidade humana que atende às quatro causas – o que foi discutido no artigo antecedente – pode ser colocada em proporção com diversas realidades que, embora não guardem identidade com ela ou entre si, representam verdadeira proporção, e portanto podem ser analogicamente nomeadas como família. Assim, uma família constituída por um dos cônjuges e sua prole pode ser legitimamente chamada de família; também é familiar, por analogia, a relação entre um avô e seu neto, ou entre primos e tios: existe sempre, nestes casos, uma relação familiar de base que atende às quatro causas, e se encontra mais próxima ou mais distante da relação entre estas duas pessoas.

Também posso chamar de família, por analogia, aquela comunidade formada por mãe e filhos, de um lado, e padrasto e enteados, do outro. Há aí verdadeira analogia entre a figura do padrasto ou madrasta e as figuras paternas e maternas originais. O exercício de nomeação por analogia poderia, e deveria, seguir longamente por esta via. Mais um exemplo: um casal acidentalmente estéril adota legalmente uma criança sem pais, e são, de fato, por analogia, uma família. Os respectivos acidentes complementam-se de modo a suprir, de ambos os lados, com verdadeira proporção, as quatro causas que explicam a família como realidade ontológica

Mas não há analogia verdadeira entre, por exemplo, um solteiro que adota uma criança e uma família. Tampouco duas pessoas do mesmo sexo que mantêm relações sexuais entre si, ainda que coabitem, não guardam nenhuma relação analógica com uma verdadeira família. Não há como defender, sem arbitrariedade, que as causas desses relacionamentos tão dessemelhantes guardem qualquer proporção entre si. Não há como atribuir a esses relacionamentos nenhuma proporção, no campo das quatro causas, sem romper completamente o substrato racional da analogia. Também aqui, mais uma vez, o julgamento é ontológico, não moral.

Esta é a mesma conclusão a que chega a Congregação para a Doutrina da Fé, por meios estritamente racionais e perfeitamente defensáveis com razões filosóficas, quando afirma que “Não existe nenhum fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimônio e a família. O matrimônio é santo, ao passo que as relações homossexuais estão em contraste com a lei moral natural.” E, citando o Catecismo da Igreja Católica (§2357), a CDF prossegue: “Os atos homossexuais, de fato, “’fecham o ato sexual ao dom da vida. Não são fruto de uma verdadeira complementaridade afetiva e sexual. Não se podem, de maneira nenhuma, aprovar‘”.

Note-se que julgamento da CDF procede de uma aplicação da teoria filosófica das quatro causas à noção de família, para afastar essa analogia: estas relações negam a complementariedade biológica (causa material), a existência da causa eficiente (ato sexual fechado ao dom da vida) e desviam completamente a causa final (falta a verdadeira complementariedade afetiva e sexual, falta a doação que gera fecundidade). As razões, aqui, são estritamente filosóficas.

Como não ha analogia possível entre estas realidades e a família, tampouco se pode defender racionalmente que estas duplas adotem, porque a falta de analogia retira da criança, mesmo em tese, o direito a uma família.

Impondo nomeação ali onde não há analogia.

Estes são os critérios para nomeação analógica da família. Pode-se concordar ou discordar de critérios, propor outros e defendê-los. Mas jamais se pode usar o poder, seja pedagógico, seja político, para, mesmo por razões estritamente emocionais ou sentimentais, impor ao outro uma nomeação arbitrária de duas realidades como analógicas, sem que analógicas sejam. É isto que aconteceria, por exemplo, se uma escola católica, digamos, adotasse um livro em que fosse proposto que o fato de que uma protagonista não tem pai, e sofre por isto, é fundamento suficiente para que se elimine o dia dos pais do calendário nacional. Ou que os documentos públicos devem conter espaços para o “genitor 1” e o “genitor 2”. Não há razões para isto, tanto quanto não há razões para impor à criança que aprenda a todo custo que um travesti masculino é uma mulher, apenas porque “se sente mulher” e devemos respeitar o sentimento alheio. Falta proporção.

Certa feita, um professor me perguntou: “como posso impedir que um aluno chame um copo d’água de elefante?”. De duas maneiras, respondi: ou você explica a ele quais são as regras da nomeação unívocaequívoca e analógica, e as respeita através da mensuração entre a forma intencional e a realidade – caso em que o próprio aluno deduzirá que um copo d’água não e um elefante – ou lhe resta ameaçar o aluno de reprovação. Fora da razão, resta apenas a força bruta, como é o caso, por exemplo, da reunião de grupos de pressão para impor ideologias à escola ou à Igreja, ou da pura e simples criminalização estatal por “fobia” de quem não aceita a nomeação arbitrária do politicamente correto.

Resta uma consideração final: não há razoabilidade que estas questões, com tantos pressupostos e tantas implicações profundas, que esta série de artigos apenas pincelou, seja levada à consideração de alunos entre seis e oito anos, com se fossem fatos incontroversos, e com absoluta desatenção, ademais, ao princípio da subsidiariedade – que determina que cabe à família, em primeiro lugar, educar os filhos sobre estes assuntos. Num país livre, qualquer um pode ter acesso a estes livros, e que bom que seja assim. Mas se eles não atendem a nenhum critério pedagógico ou mesmo filosófico ou religioso, não é bom que façam parte da proposta educacional de nenhuma escola. Menos ainda das escolas católicas, nas quais, além de violarem a reta razão e a sã pedagogia, contrariam a Revelação e o Magistério, que estas escolas juraram observar, juramento no qual as famílias devem poder confiar.

 

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