Mons. Vito Pinto e o card. Coccopalmerio apresentaram as novidades normativas introduzidas pelos dois “Motu proprio” do Pontífice
Roma, 09 de Setembro de 2015 (ZENIT.org) – A grande reforma de Francisco no processo canônico para as causas de nulidade matrimonial – apresentadas ontem por meio das duas cartas “Motu proprio” Mitis Iudex Dominus Iesus e Mitis et Misericors Iesus – pode se enquadrar nessa ideia do Pontífice argentino de uma “Igreja hospital de campo” que cura as feridas da humanidade.
Além das novidades ‘técnicas’ do processo breve e do bispo juiz, um aspecto marcante da ‘revolução’ de Bergoglio é, de fato, o desejo pastoral de tutelar a “salvação” das pessoas, especialmente daquelas deixadas de lado por causa dos fracassos matrimoniais ou que carregam muitas “feridas” de um sacramento que se revela nulo. Também eles são uma categoria de “pobres” que a Igreja não pode abandonar, dada a sua missão de não só “curar as feridas”, mas também de “prevenir a saúde”, como destacou mons. Alejandro Bunge, secretário da especial Comissão instituída pelo Pontífice em Agosto de 2014 para estudar as reformas sobre o processo de nulidade e avançar propostas a este respeito.
Bunge foi uma das seis pessoas “altamente qualificadas” que apresentaram os dois documentos ontem na Sala de Imprensa vaticana. Os outros eram o card. Francisco Coccopalmerio, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Mons. Dimitrios Salachas, exarca apostólico de Atenas para os católicos gregos de rito bizantino, mons. Luis Francisco Ladaria Ferrer, jesuíta, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, Mons. Alejandro W. Bunge, prelado auditor da Rota Romana e o dominicano Nikolaus Schoech, promotor de Justiça Adjunto do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica. Todos membros da Comissão Especial.
Ambos “Motu proprio” trazem a data do 15 de agosto, Assunção de Maria, e, por vontade do Papa, foram apresentadas ontem, 8 de Setembro, outra data mariana da Festa da Natividade da Virgem. As novas regras entrarão em vigor mais no próximo dia 8 de dezembro, solenidade da Imaculada: um claro desejo do Santo Padre de confiar à Nossa Senhora esta questão assim tão delicada. Especialmente, porém, os dois documentos se colocam na vigília do Sínodo ordinário sobre a família, oferecendo sugestões para as discussões de outubro na Sala e reunindo os pedidos dos Padres da assembleia de 2014, os quais destacavam a necessidade de tornar mais ágeis e acessíveis – e totalmente gratuitos – os processos para o reconhecimento dos casos de nulidade.
Nos documentos convergem, de pois, as propostas da Comissão especial. Estas – explicou o presidente mons. Pio Vito Pinto, decano da Rota Romana – foram aprovadas por unanimidade pelos vários membros e, depois do placet do Papa, examinadas por quatro “grandes especialistas” cujo nome permanece porém desconhecidos. O Santo Padre – acrescentou – quis “acompanhar e ser periodicamente informado” do trabalho da equipe. “É ele quem decide a publicação”, decisão tomada “com gravidade”, mas também com “serenidade” de quem sabe perseguir “aquela que, para nós, é a máxima lei: a salvação das almas. Na substância, nos processos e nos tempos…”.
Sobre os trabalhos da Comissão, Pinto explicou que “é claro que é um ato de homens, portanto contingentes, porém honestos, que discutiram, votaram e aprovaram quase tudo por unanimidade”. Bergoglio “foi confortado por esta conclusão e, por último, quis ouvir os quatro grandes especialistas”, que, por sua vez, “ofereceram observações, encontraram que a substância e também a forma do documento podia deixar o Santo Padre tranquilo”.
A partir do presente o decano da Rota Romana olhou também para o passado, relevando como a reforma de Francisco se insere na veia traçada pelas históricas reformas dos Papas Bento XIV, em 1741, e de Pio X, em 1908, mas também das indicações do Vaticano II. Este expressa, de fato, “a fidelidade à teologia da colegialidade”: “O Papa investe na confiança dos bispos”, disse o prelado, recordando as palavras do Pontífice no final da assembleia extraordinária de outubro passado: “A Igreja não é Patrão, nem o Papa é patrão, mas a Igreja e o Papa são servos, e o Papa convidou os bispos a serem servos com ele”.
Justamente essa é a “ratio teológica fundamental” que motivou Bergoglio a decidir a publicação agora, e não depois do Sínodo, deste importante documento: o Papa “descobriu que a convergência dos Padres no Sínodo extraordinário fosse quase unânime, e agora o Sínodo ordinário pode ser um impulso para que esta reforma seja acolhida com amor”. De acordo com o prelado, de fato, não será fácil implementar este novo sistema: “Não se exclui que hajam resistências… o Santo Padre sabe bem, e sabemos todos, que não será fácil…”. Mas, a experiência unida a uma boa formação – apesar do tempo apertado – irão garantir que as novas disposições sejam “acolhidas” e que se evitem riscos de abuso.
Mais detalhada foi a intervenção do cardeal Coccopalmerio que imediatamente esclareceu o processo introduzido pelo Papa que “conduz à declaração da nulidade”, e, portanto, “em primeiro lugar a ver se um matrimônio é nulo e depois, em caso positivo, a declarar a sua nulidade. Não se trata, portanto, de um processo de conduz à nulidade do matrimônio”. “Nulidade é diferente de anulação”, precisou o prelado, recordando os múltiplos motivos que determinam a nulidade do sacramento. Por exemplo, a exclusão da indissolubilidade. Tudo isso “é doutrina e praxi recebida sem dificuldade”, acrescentou; o problema, de natureza pastoral, consiste, pelo contrário “no tornar mais velozes os processos de nulidade do matrimônio, ao ponto de servir mais solicitamente os fieis que se encontram em tais situações”. Sempre, naturalmente, “no pleno respeito da sua natureza de busca da verdade”.
Coccopalmerio, em seguida, expôs as principais alterações para o processo canônico. Em essência, o Bispo diocesano poderá julgar autonomamente ou, em alternativa, ladeado por um colégio de três membros todos clérigos (ou também por um só clérigo e outros leigos). Depois, a abolição da “dupla decisão”, ou seja, o recurso em apelo de ofício; por fim, o “processos brevior”, estrutura “mais ágil e rápida” que é introduzida quando os cônjuges estão, ambos, convencidos da nulidade do matrimônio e existem provas testemunhais ou documentais “evidentes”. A nulidade, neste último caso, será válida depois de 45 dias pela sentença, emanada pelo mesmo bispo diocesano.
O cardeal também quis dar a conhecer o trabalho que o seu Dicastério está realizando para a normativa canônica relativa a matrimônio e família. Um trabalho dividido em três setores, o primeiro dos quais diz respeito ao cânons sobre o matrimônio no Código Latina, para o qual parece necessário “dar espaço não só ao sacramento do matrimônio, mas sim também à família, à sua identidade, subjetividade e missão”. O segundo setor é “uma necessária harmonização” entre disciplina sobre matrimônio nos Códigos latino e oriental. O terceiro, o problema das novas normativas civis relativas a matrimônio e família, “muitas vezes incompatíveis com a doutrina e a disciplina da Igreja, mas de fato existentes”.
“Estas novas normativas civis terão inevitavelmente um impacto sobre a organização canônica”, frisou Coccopalmerio, deixando em aberto o seu discurso com algumas perguntas: “Como reage tal normativa? Um só caso, entre os mais simples; nas legislações em que os casais homossexuais podem adotar, se um casal homossexual quer batizar a criança, como se deve proceder? Como, por exemplo, se regista o batismo?
Vivaz, então, a intervenção do exarca Salachas, que perguntou: “Por que dois ‘Motu Proprio’?”. A resposta está na imagem “poética” de João Paulo II no Codex canonum Ecclesiarum Orientalium de 1990: “Uma Igreja que respira com dois pulmões … Uma única fé na diversidade de culturas e disciplinas canônicas”. Para Salachas as alterações introduzidas pelo Pontífice – especialmente a de revestir o bispo com o papel de “juiz e médico” – é um ponto de viragem para as Igrejas Orientais, onde a maioria dos processos são em matéria de casamentos mistos entre católicos e ortodoxos, que compõem 90%. “Os fiéis ortodoxos não esperam anos e anos, mas vão embora. A parte católica, pelo contrário, permanece e espera 4-5 anos, a dupla sentença conforme, etc. Mas dessa forma perdemos muitos fiéis… “.
Finalmente Mons. Ladaria, que apontou que, embora os processos tenha que ser realizados nas várias dioceses, os procedimentos “são os mesmos para toda a Igreja”. “É o Papa que, com a sua autoridade afirma e reforça a dos pastores das Igrejas particulares”, disse. “O poder das chaves de Pedro permanece sempre inalterado, também neste processo o apelo à Sé Apostólica fica aberto a todos para que se confirme o vínculo entre a Sé de Pedro e as Igrejas particulares”, que não estão absolutamente em competição umas com as outras.