A Família no centro das atenções

8. Não tenhamos medo

Retomo o tema anteriormente abordado por me parecer de enorme importância. Os trabalhos da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos já estão concluídos e deles resultou um documento, que já foi tornado público, e onde em 62 pontos se recolhe o que foi a reflexão desenvolvida.

Os comentários a este Relatório não se fazem esperar e, numa primeira abordagem, muitos vão na linha de uma certa deceção. Afinal não há grandes soluções, afinal as questões que foram mais mediatizadas acabaram por não gerar consensos esmagadores. Aqueles que esperavam um não rotundo a qualquer novidade e mudança, também não se parecem rever no texto, pois este, apresentando a beleza do evangelho da família, não dá por concluída a reflexão, nem se fecha ao sopro constante do Espírito.

Também aqueles que esperavam ver já mudanças, se não radicais, pelo menos significativas, parecem ter ficado frustrados, pois o texto não rompe com o que tem sido a linha de reflexão desenvolvida pela Igreja. Numa primeira leitura, pode ficar a impressão de que afinal o texto acaba por deixar uma certa sensação de desconsolo em quase toda a gente.

Mas não fiquemos por esta primeira abordagem. Sem assumir nenhuma daquelas posições radicais “do nada se pode alterar”, ou “do tudo tem de mudar”, ficam criadas as condições para ninguém se sentir excluído do caminho que agora é necessário percorrer. E parece-me ser ter sido exactamente essa a intenção do papa Francisco ao convocar estas Assembleias Sinodais (a deste ano e a que decorrerá no próximo), como duas etapas de um mesmo acontecimento.

O que se pretendia para este primeiro momento era um exercício de diálogo, e por isso mesmo de escuta, que permitisse um conhecimento mais verdadeiro da situação das famílias, das suas alegrias e esperanças e das suas tristezas e angústias, pois elas, como tão magistralmente afirmou o Concílio Vaticano II no nº 1 da Gaudium et Spes, têm de ser as alegrias e as esperanças, as tristezas e angústias dos discípulos de Cristo, uma vez que nada do que é verdadeiramente humano pode deixar de ter eco no seu coração.

O anúncio da beleza do Evangelho tem de partir da realidade de modo a poder entranhar e transformar a vida das pessoas e das famílias. E tem de partir da realidade que existe e não daquela que seria desejável existir. Por isso é fundamental conhecer profundamente essa realidade.

Foi isso que se tentou fazer, e em grande parte se fez, durante estes dias de trabalho. Vindos dos mais variados cantos do mundo os participantes nesta Assembleia tentaram dar voz às diversas realidades familiares e, mais do que isso, tentaram discernir aquilo que o Espírito estava (e está) a dizer através delas. Sim, porque o objectivo não podia ser apenas conhecer a realidade, se bem que isso fosse indispensável, mas também amar os que vivem essa realidade, sem se deixar acomodar com o que de negativo há nela, pois só o amor é capaz de dar conta do projecto de Deus para a humanidade.

O resultado deste exercício não poderia ser, pois, uma rutura que impedisse o caminho em conjunto, e que constitui, no fundo, como todos sabemos, um dos traços de identidade de toda a dinâmica sinodal.

Numa segunda leitura, o texto do relatório acaba por nos abrir às exigências que se seguem. Agora conhecemos melhor o ponto onde estamos. E também sabemos para onde queremos ir, pois esse é o horizonte que Deus nos aponta. Temos, então, de caminhar nessa direcção, fazendo todos os esforços para que ninguém fique excluído desse horizonte.

Claro que a tarefa não é nada fácil, mas é urgente e, em certo sentido, apaixonante, pois torna-nos a todos protagonistas deste caminhar. Esse é o tempo que agora somos chamados a viver.

E durante este tempo, como afirmou o papa Francisco na homilia do encerramento da Assembleia Geral Extraordinária, não há que ter medo das surpresas que Deus nos faz. “Ele não tem medo das novidades! Por isso nos surpreende continuamente, abrindo-nos e levando-nos para caminhos inesperados. Ele renova-nos, isto é, faz-nos “novos” continuamente. Um cristão que vive o Evangelho é a “novidade de Deus” na Igreja e no mundo. E Deus ama tanto esta “novidade”!”

Não tenhamos, pois, medo das surpresas de Deus e de ousar a novidade no caminho que agora, todos, somos convidados a fazer.

 

Por Juan Ambrósio, publicado em Jornal da Família, Novembro de 2014

 

Scroll to Top