A Igreja perante os novos desafios da Família

Quando escrevo está a decorrer a primeira Assembleia Geral Extraordinária das duas que vão constituir o Sínodo convocado pelo Papa Francisco para reflectir sobre “Os desafios pastorais da família no contexto da Evangelização”. Decorre entre 5 e 19 de Outubro.

 

Após a convocação do Sínodo pelo Papa Francisco, a 8 de Outubro de 2013, iniciou-se o processo normal da preparação com o esboço das questões a tratar (os Lineamenta), apresentado publicamente, a 5 de Novembro. O texto e um vasto elenco de questões foram enviados aos Bispos de todo o mundo solicitando a sua participação e estímulo à colaboração de todos os sectores da Igreja nomeadamente famílias e associações e de correntes de opinião fora da Igreja para exprimirem com inteira liberdade o seu pensamento acerca das questões mais prementes e aspirações das famílias na actualidade. Foi pedido um levantamento das experiências e iniciativas que nas várias Igrejas particulares, situações e culturas vão surgindo para lhe responder.

A consulta foi acolhida com entusiasmo, despertou expectativas e permitiu obter uma visão ampla e diversificada do que se pensa, espera e acontece na Igreja com família na complexidade das situações e ambientes culturais de cada continente e região. O desenrolar do processo manifestou uma Igreja desejosa de tomar mais a sério a participação na tomada de decisões, uma Igreja diversa na sua implantação em todos os ambientes e culturas, aberta ao mundo e às suas interrogações, uma Igreja plural que procura aproximar-se da verdade através da diversidade e complementaridade, das suas tradições, experiências e opiniões. Foi um exercício prático da liberdade de opinião e um desafio à responsabilidade dos cristãos leigos sobretudo nos campos de acção que lhe são próprios.

A composição da Assembleia reflecte a universalidade e pluralidade da Igreja. Dos 191 padres sinodais, a maioria (114) são os Presidentes das Conferências episcopais de todo o mundo e da totalidade, procedem da África (42), América (38), Ásia (29), Europa (78) e Oceania (4). Participam no Sínodo na qualidade de auditores 12 casais em representação das famílias de várias regiões e culturas e também, numa perspectiva ecuménica de evangelização, 8 “delegados fraternos” de outras Igrejas e comunidades eclesiais.

Na sessão inaugural Papa exortou os presentes a exprimirem em clima de liberdade e “espírito de colegialidade e de sinodalidade para o bem da Igreja e das famílias” a sua percepção da realidade e das problemáticas da Igreja nas suas luzes, sombras e perplexidades. A unidade não pode suprimir a diversidade mas integrá-la, a superação dos obstáculos supõe a sua detecção clara e atempada. A sinodalidade exige “dizer tudo aquilo que, no Senhor, sentimos que devemos dizer: sem hesitações, sem medo. E, ao mesmo tempo… ouvir com humildade e aceitar de coração aberto aquilo que os irmãos dizem.”

Não me afastarei muito do pensamento do Papa se disser que estas atitudes são exigências básicas de toda a participação responsável na vida e na tarefa evangelizadora da Igreja.

O documento que resultou do apuramento dos dados da consulta realizada às Igrejas locais serviu de “instrumento de trabalho” para as intervenções e debatesda Assembleia sinodal de 2014.“Oferece um panorama amplo, embora não exaustivo, da situação familiar contemporânea, dos seus desafios e das reflexões que suscita” – comenta o Card. Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo que aponta a sua função: “Os Padres sinodais avaliarão e aprofundarão os dados, os testemunhos e as sugestões das Igrejas particulares, com a finalidade de enfrentar os novos desafios sobre a família”.

Está concluída a primeira semana dos trabalhos realizados em plenário com intervenções dos Padres sinodais e testemunhos de alguns casais. Entrou-se na segunda fase, a do encontro de grupos restritos para debater e aperfeiçoar o “Relatório após debate” que sintetiza as intervenções dos Padres sinodais prontamente elaborado. Daqui resultará o documento final que será sujeito a votação e aprovação da Assembleia e entregue ao Papa para que dele disponha.

Servirá de ponto de partida para a preparação e elaboração do “instrumento de trabalho” da próxima Assembleia Geral do Sínodo que decorrerá no Vaticano de 4 a 25 de Outubro de 2015, com uma representação mais significativa do episcopado. Terá como tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”. Procurará encontrar e propor as linhas de acção pastoral da Igreja resultantes da reflexão feita.

É natural que muita gente fique desiludida com os resultados que lhe chegarão deste Sínodo sobre a família. Desde o princípio estava decidido que comportaria duas Assembleias: a primeira para avaliar lucidamente a situação; a segunda para tomar decisões relativas às orientações pastorais a seguir. As questões são complexas. Tem muitas variáveis que interferem diferentemente na gestão das situações pessoais. Por um lado, parece que um papel maior deve ser dado à evangelização e formação da consciência para tomar decisões informadas e responsáveis; por outro, será necessário prevenir o relativismo e subjectivismo tão do agrado do individualismo actual.

Termino com duas reflexões. Uma, a do Bispo e teólogo Bruno Forte, na Conferência de imprensa de apresentação do “Relatório após debate”. “Para além de “escutar todos” o Sínodo é um contínuo “caminhar juntos”, amadurecendo as posições e tendendo a consensos resultantes do aprofundamento das questões”. Acreditamos que os trabalhos deste Sínodo representam um passo em frente na doutrina e na prática da catolicidade da Igreja e colegialidade episcopal que, segundo Ratzinger (Bento XVI) deve penetrar a prática em todas as estruturas da Igreja.

A segunda toma a palavra da premissa do “instrumento de trabalho”: “A Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo acerca do tema: Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização, tendo em consideração que «a tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo» (DV 8), [o sublinhado é meu] é chamada a meditar sobre o caminho a seguir, para comunicar a todos os homens a verdade do amor conjugal e da família, enfrentando os seus múltiplos desafios”.

A doutrina da Igreja não é estática. Admite progresso. Sob a acção do Espírito é chamada a procurar novos caminhos de resposta do evangelho a novas situações. Confirmo, citando S. Vicente de Lerins, um Padre do sec. V: “Não haverá progresso algum dos conhecimentos religiosos da Igreja de Cristo? Há, sem dúvida, e muito grande. Com efeito, quem será tão malévolo e tão inimigo de Deus que pretenda impedir esse progresso? Mas é preciso que seja um verdadeiro progresso e não uma alteração da fé.” (Cf. Ofício de Leitura, 6ª-feira da XXVII semana TC )

Por Octávio Morgadinho, publicado em Jornal da Família, novembro de 2014

 

 

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