Com este Sínodo “toda a pastoral familiar deve mudar”

 UM SÍNODO “NECESSÁRIO”

 (Entrevista a D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu e membro da Comissão Episcopal do Laicado e Família, por Ricardo Perna, publicada em Família Cristã, novembro 2014)

 

 

D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu e membro da Comissão Episcopal do Laicado e Família, mostrou-se surpreendido pela “diferença” de opiniões patente no sínodo dos bispos que decorreu no Vaticano, mas está “confiante” no caminho “de comunhão” que será feito após a publicação do documento final do Papa, lá para o final de 2015 ou início de 2016. Documento esse que, recomenda o prelado, deve ser “uma encíclica, para ajudar no esforço de comunhão entre todos”.

 

Que impressões lhe ficam destas duas semanas de debate e partilha?

Que era um sínodo necessário, por todo o debate e toda a diferença de opiniões e posições, mas ao mesmo tempo um sentir que era um tema que neste momento merecia o cuidado, o zelo pastoral e o amor da Igreja no sentido de os pastores se encontrarem e se confrontarem com a realidade concreta da família. Toda esta evolução da discussão que se tem verificado no sínodo atesta que o sínodo era necessário.

 

Ficou surpreendido com tanta diferença de opiniões?

Fiquei surpreendido que houvesse tanto à-vontade em pôr em comum posições diferentes. Mas isso é sinal dos tempos e do Papa que temos, que no início pediu que ninguém sentisse medo de dizer o que pensa. Os bispos, cardeais e casais sentiram-se à-vontade para dizerem o que pensam porque naturalmente cada um reflecte e respira um viver a família na sua igreja e no seu âmbito particular de ser Igreja. Não tenho medo de um cisma, porque quando as pessoas presentes no sínodo são capazes de dizer tudo o que pensam na linha de reflectir a família, estamos à espera de um sínodo extraordinário que vai conduzir a um sínodo ordinário que verdadeiramente traga um pensar da Igreja e um reflectir no sentido da escuta e do acompanhamento das famílias concretas na realidade. É um sínodo diferente de todos os outros no âmbito da frontalidade com que se debatem os problemas, mas penso que pode ser um sínodo muito marcante na vida da Igreja neste séc. XXI.

 

O sínodo fica marcado pela necessidade da mudança da linguagem e da lei da gradualidade, que dividia as opiniões. Esta lei é passível de ser aplicada?

A Lei da Gradualidade na Familiaris consortio está na linha de, perante o ideal, haver um caminho. Aqui aparece a proposta de ideais diferentes, relativizados, e aí a Lei da Gradualidade não tem o mesmo sentido, e por isso na avaliação dos grupos sentiram que se estava a entrar num plano inclinado e era preciso rever. Na Familiaris consortio o conceito entende-se, porque há um ideal e um caminho, mas aqui entrou numa linha de ver outros pontos que a moral da Igreja poderia apoiar e sustentar. Penso que o debate tem sido muito positivo. O sínodo ordinário do próximo ano vai ser muito rico, porque há pressupostos debatidos aqui que no próximo ano vão ser reflectidos nas igrejas, nas comunidades, nas famílias, e estou convencido que vai haver muita luz e reflexão e isso vai ser muito positivo.

 

Também se falou muito da preparação para o matrimónio, mas sem querer “complicar” a formação? Queremos mudar, mas não estamos a começar pelas bases?

Pois, penso que de facto a montante de determinadas dificuldades que existem hoje nas famílias, é preciso investir muito. A preparação para o matrimónio deve levar a Igreja, nos seus organismos paroquiais e diocesanos, à reforma da catequese de infância e adolescência, porque a catequese de infância e adolescência hoje parece ser apenas um dar aos pequenos qualquer coisa para os sacramentos, é sacramentalizar a catequese, e a catequese não pode ser sacramentalizada, tem de se apostar muito mais na catequese familiar, e entender-se a mudança a partir da própria família.

Chamá-la de “igreja doméstica”, como fez João Paulo II, e antes disso, São João Crisóstomo, tem muito mais sentido neste campo em que a família precisa de se assumir, e o sínodo fará esse apelo, como verdadeira referência para os valores que estão aqui em jogo, da preparação para o matrimónio, etc.

 

E essa preparação, na sua vertente imediata, pode ser mais exigente?

São graduações. Não é tudo, mas até antes de nascer se faz essa preparação. Todo o crescimento da criança e o confronto com os valores dos pais, dos colegas, mas também da vida social é uma preparação para o matrimónio. O CPM (curso de preparação para o matrimónio) não pode ser a única preparação…

 

Mas muitos noivos chegam a essa preparação imediata sem quaisquer bases…

Sim, é verdade, e é por isso que hoje temos 50% de divórcios nos primeiros dois ou três anos de casamento…

 

Mas se houvesse a exigência da Igreja nessa preparação, esses valores diminuiriam…

Absolutamente. Naturalmente que pensar a família hoje tem de levar a uma reflexão sobre aquilo que a Igreja faz a nível da preparação e da exigência para que os sacramentos possam ter sentido na vida, neste caso, do casal.

 

O que é que a Igreja deve fazer com este relatório final?

Temos de ser muito humildes para acreditar que todos nós temos de aprender a olhar a família como um dom de Deus e aprendermos a ser muito pedagógicos quer no acolhimento às famílias, quer no encaminhamento dos casais que não podem comungar, ou isto ou aquilo, porque não os podemos receber com um “não pode comungar”, mas criando propostas que possam dar a todos os que têm uma referência à Igreja uma possibilidade de formação, de vivência, de caminho. Temos, perante esta reflexão que o sínodo trouxe, de procurar amar muito a família, sentir que passa por momentos muito difíceis, e fazer com que a Igreja seja mãe acolhedora, que protege e aponta caminhos e não tanto referenciar a lei, os “não” ou as dificuldades.

 

Uma mudança de linguagem…

Não só. De procedimentos, de pastoral. Com aquilo que este sínodo nos trouxe de reflexão, penso que toda a pastoral familiar deve mudar.

 

E no final é importante que saia uma encíclica que vincule a Igreja?

É essencial que saia uma encíclica, até para ajudar no esforço de comunhão, porque, como disse no início, é possível que neste e no próximo sínodo ordinário haja pontos conflituantes, e é o documento final que pegará nas pontas e fará o esforço de comunhão, que, estou convencido, irá acontecer.

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