XXIV JORNADA NACIONAL DA PASTORAL FAMILIAR (2012)

“A família em FESTA no dia do Senhor”

O DOMINGO

primeira e mais original festa da comunidade cristã

frei Lopes Morgado, ofmcap

Quando, a 17 de agosto passado, o senhor D. Antonino me convidou para esta Jornada Nacional da Pastoral Familiar, disse-me que o tema se inspirava no do Encontro Mundial das Famílias, em Milão: A FAMÍLIA, O TRABALHO E A FESTA. E que se pretendia, sobretudo, acentuar a festa, o domingo. Por isso, a primeira coisa que fiz foi ler, no site do Vaticano, a homilia do Papa no encerramento daquele Encontro Mundial. Disse então o Papa: «O homem, enquanto imagem de Deus, é chamado também ao descanso e à festa. A narrativa da criação termina com estas palavras: “Concluída, no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado. Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o” (Gn 2,2-3).»

E mais adiante: «Para nós, cristãos, o dia de festa é o domingo, dia do Senhor, Páscoa da semana. É o dia da Igreja, assembleia convocada pelo Senhor ao redor da mesa da Palavra e do Sacrifício Eucarístico, (…), para nos alimentar d’Ele, entrar no seu amor e viver do seu amor. É o dia do homem e dos seus valores: convivência, amizade, solidariedade, cultura, contacto com a natureza, jogo, desporto. É o dia da família, em que se há de viver, juntos, o sentido da festa, do encontro, da partilha, também com a participação na Santa Missa.

Queridas famílias, mesmo nos ritmos acelerados do nosso tempo, não percais o sentido do dia do Senhor! É como o oásis onde parar para saborear a alegria do encontro e saciar a nossa sede de Deus.» (Homilia do Papa, 3.6.2012).

A palavra festa, ligada ao domingo, aparece aqui várias vezes. E não é por acaso que vem destacada, a maiúsculas, no programa da Jornada.

 

INTRODUÇÃO

Deixem-me contextualizar o tema no momento que vivemos na Igreja. Como sabem, neste ano pastoral 2012-2013, a Igreja celebra com um ANO DA FÉ os 50 anos do início do Concílio Vaticano II e os 20 da publicação do Catecismo da Igreja Católica.

Por isso, começo com um “sumário” do tema feito pelo Catecismo da Igreja Católica, nos nn. 1165 a 1167, que tratam do Tempo Litúrgico e do Dia do Senhor.

 

1165. Quando a Igreja celebra o mistério de Cristo, há uma palavra que ritma a sua oração: Hoje!,como um eco da oração que lhe ensinou o seu Senhor e do chamamento do Espírito Santo. Este «hoje» do Deus vivo, em que o homem é chamado a entrar, é a «Hora» da Páscoa de Jesus, que atravessa e sustenta toda a história.

► Reparem nesta palavra importante: hoje. É preciso agarrar a vida e os problemas das pessoas em cada celebração, e fazer passar pelas palavras do ritual o fogo, a luz, a água, o óleo, o pão e o vinho da Páscoa de Jesus.

Hojeé o dia que o Senhor escolheu / para nós o vivermos na alegria.”

1166. «Por tradição apostólica, que remonta ao próprio dia da ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal todos os oito dias, no dia que bem se denomina dia do Senhor ou Domingo» (SC 106). O dia da ressurreição de Cristo é, ao mesmo tempo, o “primeiro dia da semana”, memorial do primeiro dia da criação, e o «oitavo dia» em que Cristo, após o seu «repouso» do grande sábado, inaugura o «dia que o Senhor fez», o «dia que não conhece ocaso» (Liturgia bizantina). A Ceia do Senhor é o seu centro, porque é nela que toda a comunidade dos fiéis encontra o Senhor ressuscitado, que os convida para o seu banquete (cf. Jo 21,12, Lc 24,30):

1167. O domingo é o dia por excelência da assembleia litúrgica, em que os fiéis se reúnem «para, ouvindo a Palavra de Deus e participando na Eucaristia, fazerem memória da paixão, ressurreição e glória do Senhor Jesus, e darem graças a Deus, que os “regenerou para uma esperança viva pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos”» (SC 106).

► Estas palavras têm apenas 50 anos. E na altura fizeram sorrir a muitos, pois durante séculos, em quase todo o mundo, a Liturgia tinha sido celebrada ao arrepio disto.

Recordo o que a maioria de vós também lembra: Missa em Latim; o padre de costas para o povo; a Palavra lida só por ele, para ele, em voz baixa e de costas; as pessoas divididas entre homens e mulheres e sem intervir, pois era o sacristão quem respondia em latim ao celebrante; podia-se chegar à Missa depois do Credo, sem faltar ao preceito dominical (a Palavra não tinha valor); cada qual sobrevivia lendo orações por cartilhas ou recitando o Terço; e a maioria não comungava habitualmente. E não pensem que era melhor a Missa que nós, frades, vivíamos no convento, sobretudo quando atrás das grades… Recordei isto em agosto passado, nos meus 50 anos de padre, em que fiz a comparação da minha “Missa Nova” de 1962 com a de agora.

É daí que vimos; e 50 anos não chegaram para mudar as coisas, até porque houve quem se opusesse. É bom lembrar isto, para entendermos certas dificuldades e resistências. Mas não para nos resignarmos nem parar, e muito menos voltar para trás, pois há gente a puxar para trás. Ora isto não é o mesmo que aderir ou não aderir ao novo Acordo Ortográfico; é ir contra o Espírito Santo, alma da Igreja, “Senhor que dá a vida” e “renova todas as coisas” (Ap 21,5)!

ENTRANDO NO TEMA, começo por 3 afirmações que parafraseiam o título e remetem para as três partes em que o vou dividir:

primeira: antes do domingo, foi o sábado (e, como sabem, isto é bastante mais que uma verdade de la Palice);

segunda: o domingo, embora tenha sido, de facto, a primeira festa da comunidade cristã, talvez inicialmente não fosse tão original como o título dá a entender;

 terceira: tal como o sábado judaico, também o domingo precisa de ser restaurado na sua prática para ser a festa da salvação e da vida nova que lhe deu origem.

1. NO PRINCÍPIO, ERA O SÁBADO

João Paulo II publicou, em 31.6.1998, Carta Apostólica sobre o Dia do Senhor (Dies Domini) a que me vou referir aqui muitas vezes por DD. No nº 22 diz acerca do domingo no início da comunidade cristã: «Nesses primeiros tempos da Igreja, o ritmo semanal dos dias não era geralmente conhecido nas regiões onde o Evangelho se difundia, e os dias festivos dos calendários grego e romano não coincidiam com o domingo cristão. […] Todavia, a fidelidade ao ritmo semanal mantinha-se porque estava fundada no Novo Testamento e ligada à revelação do Antigo Testamento. […] a celebração do dia da ressurreição adquiria um valor doutrinal e simbólico, capaz de exprimir toda a novidade do mistério cristão.»

Quer isto dizer que Deus, no Antigo Testamento, já tinha ido preparando o domingo, com a sua pedagogia da sua revelação que se desenvolve de modo unitário e progressivo numa linguagem de aliança ou casamento, que percorre toda a Bíblia. Daí podermos dizer que este “dia” levou muitos dias e anos ou acontecimentos a ser construído: a criação, o êxodo ou libertação, a ressurreição de Jesus, o Pentecostes…

No Antigo Testamento, os dois grandes momentos que marcaram a sua evolução e configuração foram a criação e o êxodo. Para entendermos o “dia do Senhor”, temos que ler os textos em que tal nos é transmitido, no séc. V antes de Cristo, quando foram fixados os actuais 5 primeiros livros da Bíblia, ou Pentateuco.

Vamos ver alguns desses textos seguidos. Depois, iremos sublinhar algumas linhas pastorais do Domingo, que vêm do Sábado judaico, pois também nisto os judeus são nossos “irmãos mais velhos”. Não faremos exegese, mas pastoral bíblica, pois estamos em Jornadas de pastoral.

1.1. Os textos bíblicos: um dia com muitos anos

Tudo parte do número 7, que é número de perfeição na linguagem bíblica. E parte da intenção catequética e teológica do autor do Génesis, ao escrever o poema da criação. Ele queria propor às pessoas que dedicassem ao Senhor um dia, no qual, descansando e contemplando a criação, louvassem o Criador de todas as coisas. Não havendo outra motivação, apresentou Deus à maneira humana. Disse que Ele trabalhou durante uma semana de 7 dias e descansou no sétimo, para que todo o crente no Deus único fizesse o mesmo.

Diga-se desde já que a semana de 7 dias entrou na cultura de Israel por influência da Mesopotâmia, quando do Exílio na Babilónia. E foi depois disso, por volta do séc. V aC, que se conclui a escrita destes textos.

Em relação com esse sétimo dia, surgem o sábado, o ano sabático e o ano jubilar, alargando aos animais e à terra o preceito que inicialmente apenas se referia ao ser humano.

Vejamos os textos:

a) O SÉTIMO DIA (Gn 1,31; 2,2): 1,31Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa. 2,2Concluída, no sétimo dia, toda a obra que havia feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado.

> O “Ver” de Deus exprime um olhar

– jubiloso e complacenteface à bondade da sua obra (e nosso, da nossa);

– contemplativo e gratuito (não possessivo) da beleza da criação;

– especial sobre o ser humano, ponto culminante e corresponsável da criação;

– com dinâmica “esponsal” da relação de Deus com a criatura feita à sua imagem, chamando-a a comprometer-se num pacto de amor em vista da salvação oferecida à humanidade inteira, mediante a aliança salvífica estabelecida com Israel e culminada em Cristo, através do Espírito Santo e da Igreja, seu corpo e esposa (DD 11).

> O “Repouso” de Deus não é uma “inatividade”. Deus nunca cessa de agir, como Jesus lembrou a propósito do sábado: «O Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho» (Jo 5,17). O Deus que descansa comprazendo-Se pela sua criação, é o mesmo que liberta os seus filhos da opressão do faraó. Num caso e noutro, podemos dizer, numa imagem cara aos profetas, que Ele Se manifesta como o esposo diante da esposa (cf. Os 2,16-24; Jr 2,2; Is 54,4-8). (DD 12).

– Pensemos em trabalhos liberais, gratuitos, artísticos (compor música ou poesia, pintar, rezar), ou em passear, fazer silêncio para se ouvir… ou agir para salvar alguém! A moral católica prevê a dispensa do preceito em caso de um socorro humano ou social.

– O meu pai, ao chegar da missa, pegava na tesoura da poda e ia, livre, por entre as roseiras que cercavam o quintal, e as videiras – limpando aqui, erguendo acolá… “como uma mãe que faz a trança à filha”, no dizer de Torga (Miguel Torga, Diário I, “Bucólica”, 30 de Abril de 1937). Sobretudo sonhando com o futuro nos rebentos novos dos enxertos…

b) O SÁBADO: 1) motivação da criação (Ex 20,8-11): 8«Recorda-te do dia de sábado, para o santificar. 9Trabalharás durante seis dias e farás todo o teu trabalho. 10Mas o sétimo dia é o sábado consagrado ao Senhor, teu Deus. Não farás trabalho algum, tu, o teu filho e a tua filha, o teu servo e a tua serva, os teus animais, o estrangeiro que está dentro das tuas portas. 11Porque em seis dias o SENHOR fez os céus e a terra, o mar e tudo o que está neles, mas descansou no sétimo dia.Por isso,o SENHOR abençoou o dia de sábado e santificou-o

(2) motivação do êxodo (Dt 5,15): «Lembra-te que foste escravo na terra do Egito, donde o Senhor, teu Deus, te fez sair com mão forte e braço estendido. Por isso te ordenou o Senhor, teu Deus, que guardasses o dia de sábado.»

> O Preceito do sábado está dentro do Decálogo (textos de Ex e Dt)– as “dez palavras” que definem os pilares da vida moral, inscrita universalmente no coração do homem. Não é simples norma de disciplina religiosa comunitária, mas expressão qualificativa e imprescindível da relação com Deus. Assim também o Domingo. (DD 13).

– «Todo o Israel, homens e mulheres, escravos e animais devem observar o Sábado, co-mo se fosse uma instituição de caráter social para repouso dos trabalhos penosos do dia a dia. Mas, teologicamente, o descanso/gozo do Sábado, enquanto rutura no trabalho quotidiano, serve sobretudo para afirmar a soberania universal de Deus, a igualdade ontológica dos homens, a eleição de Israel no meio dos povos» (Geraldo Coelho Dias, “Do Sábado Judaico ao Domingo Cristão”, in BÍBLICA científica, nº 4, Difusora Bíblica, Lisboa 1995, p.20).

> “Recorda-te, para o santificar: antes de ordenar fazer uma coisa, os mandamentos indicam algo a recordar. A memória da criação e da libertação de Deus deve animar a nossa vida religiosa, para confluir no dia de repousar. Assim, o repouso assume um valor sagrado: somos convidados a repousar não só como Deus repousou, mas a repousar no Senhor, devolvendo-Lhe toda a criação, no louvor, na acção de graças, na intimidade filial e na amizade esponsal.(DD 16).

– Em Dt 5,12-15, o fundamento do preceito não é a criação, mas a saída do Egito. As duas juntas revelam o sentido do «dia do Senhor» numa perspectiva unitária de teologia da criação e da salvação: o conteúdo do preceito não é, primariamente, uma interrupção do trabalho, mas a celebração das maravilhas realizadas por Deus.

– Se esta «lembrança», cheia de gratidão e louvor a Deus, estiver viva, o repouso no dia do Senhor terá o seu pleno significado e será festa: por ele, entramos no «repouso» e na alegria de Deus depois da criação do mundo e da salvação do povo. (DD 17).

> “Deus descansou”: interromper o ritmo das ocupações, que muitas vezes oprimem, e reconhecer que Tudo é de Deus! Nós e todo o universo dependemos de Deus. No relato da criação, tudo nasce d’Ele. O êxodo é-lhe atribuído: «Ele foi para mim a salvação… /…/ Senhor é o seu nome» (Ex 15,2b,3b = Cântico na Vigília pascal). A libertação é nossa obra de colaboração com o Criador e Redentor não pode esquecer isto.

c) O ANO SABÁTICO (Lv 25,2b-7): 2«Quando entrardes na terra que vos dou, a terra gozará de um descanso, em honra do SENHOR. 3Semearás o teu campo durante seis anos, durante seis anos podarás as tuas vinhas e recolherás os seus frutos.

4MAS no sétimo ano, será concedido à terra um descanso, um sábado, em honra do SENHOR: não semearás o teu campo, nem poderás a tua vinha. 5Não colherás o que nascer espontaneamente dos grãos caídos durante a ceifa, nem vindimarás as uvas da tua vinha que não foi podado. Será um ano sabático para a terra.6O que a terra produzir durante o seu descanso, servir-vos-á de alimento, a ti, ao teu escravo, à tua serva, ao teu jornaleiro e ao inquilino que vive contigo. 7Também o teu gado, assim como os animais selvagens da tua terra, poderão alimentar-se com todos esses frutos.»

 

d) O ANO JUBILAR (Lv 25,8-13): 8«Contarás sete semanas de anos, isto é, sete vezes sete anos; de forma que a duração de estas sete semanas de anos corresponderá a quarenta e nove anos. […] 10Santificareiso quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam. Este ano será para vós um Jubileu; cada um de vós voltará à sua propriedade, e à sua família

> O “Jubileu” terá nascido para favorecer o “ano sabático”, quase impossível de cumprir pelos problemas que colocava. Jeremias denunciou a sua não observância (34, 8-16), mas tentou-se retomar a sua prática depois do Exílio (Ne 10,32; 1 Mac 6,49-53).

1.2. Valores do Sábado judaico: algumas raízes do Domingo

O Sábado é a festa de Israel que marca a sacralização semanal do tempo, como o Domingo pretende ser para os cristãos. Dos textos legislativos, Lv 23,3 é o que melhor sintoniza com a observância judaica do Sábado, a seguir ao exílio. Aparece à cabeça das festas litúrgicas e implica a participação nas assembleias sagradas da sinagoga. É o dia da reunião litúrgica, o “Dia do Senhor”, em que o Povo Eleito,

recordando a gesta libertadora do Êxodo,

celebra a omnipotência de Javé sobre todos os povos,

preanuncia o ecumenismo da salvação,

vive a libertação do peso dos trabalhos quotidianos e

antecipa a vitória escatológica de Deus.

O Sábado é, pois, o dia santo semanal, para o judeu, dia da assembleia de louvor e oração, dia de estudo e reflexão da Palavra de Deus contida nos 39 livros da Bíblia hebraica e nos ensinamentos dos rabinos, mestres espirituais de Israel.

Mas o agravamento das suas obrigações pela casuística farisaica, fez dele um sinal contrário ao seu objetivo, que era celebrar o fim da opressão no Egito. Por outro lado, o seu esvaziamento pela epiqueia, fez com que a maioria não o viva a sério, a não ser um reduto de judeus ortodoxos. Apesar disso, hoje, o sábado e a circuncisão continuam a ser a marca dum bom judeu. Pode não acreditar em Deus; mas, porque acredita na Bíblia, continua a observar os seus preceitos.

1.3. Jesus e o Sábado: nova “memória”, novo “culto”

Os profetas do séc. VIII, ao contestarem o culto rotineiro e mágico, sem impacto nas convicções e comportamentos das pessoas, também criticaram, não o sábado em si, mas o ritualismo do seu culto, o formalismo religioso, o exteriorismo exibicionista, o legalismo. Após o exílio, no séc. V a.C., o peso das leis e minuciosas observâncias impostas pelos fariseus fizeram-no perder o seu valor e objetivo original como instituição libertadora, tornando-o anti-testemunho e contra-valor da bondade salvífica de Deus.

É neste contexto de juridismo e casuística farisaica que Jesus aparece com a sua mensagem de salvação e libertação. O “discurso antifarisaico” registado por Mateus no cap. 23 do seu Evangelho, destinado a cristãos vindos do judaísmo, testemunha bem a reacção do Mestre, na linha dos profetas. É célebre a sua sentença: «O Sábado foi feito para o homem, e não homem para o Sábado» (Mc 2,27).

Na verdade, o que Jesus quer é que o Sábado seja, dentro do espírito que presidiu á sua instituição, um dom da graça de Deus, um benefício para o homem e não um peso. Por isso, interpela: «é permitidoaoSábadofazerbemoufazermal,salvar uma vida ou deixá-la perder?» (Mc 3,4). Ao todo, são oito os passos evangélicos em que Ele aparece a pregar ou a fazer milagres e curas em dia de Sábado, e a ser por isso contestado pelos fariseus e os doutores da lei. Jesus é «Senhor do Sábado» (Mt 12,1-6).

No início do ministério de Jesus, o Evangelho de Marcos narra o chamamento dos seus primeiros discípulos – Pedro e André, Tiago e João (1,16-20). E a seguir, apresenta um dia de Sábado vivido pelo Mestre, que serve de modelo para vivermos hoje o “dia do Senhor” ou domingo (1,21-39).

O dia começa na manhã de Sábado com a ida à sinagoga e termina com a oração do dia seguinte, “de manhãzinha”. Está organizado em quatro tempos, que decorrem em quatro lugares diferentes: na sinagoga, dentro de casa, junto da porta e num lugar deserto; no princípio e no fim está a oração; desses dois momentos nasce o anúncio da palavra (na sinagoga e pelas aldeias) e o exercício da caridade (em casa, para a sogra de Pedro, e diante da porta, para todos).

Ou seja: bem escutar, bem orar, bem crer, bem anunciar, bem fazer. É a síntese de um domingo, vivido de modo a lançar no coração do crente as sementes para viver uma semana cristã animada pela força e a luz de Cristo ressuscitado, acolhido na Pala-vra e comido na Eucaristia (ou seja, duplamente comungado, como diz Bento XVI na Exortação Apostólica Verbum Domini, sobre a Palavra do Senhor, nº 56 citando um belo texto de S. Jerónimo; um texto que deveria merecer-nos muita atenção, até mes-mo quanto à importância desproporcionada que se dá aos ministros extraordinários da Comunhão e ao ministério extraordinário de Leitor, incrivelmente ainda por criar). Mas estava a falar da síntese do domingo; falta dizer que, se a vida crente nasce da palavra e se desnvol-ve no culto, orienta-se para a caridade e é nela que tem o seu teste de verdade, como também diz o Papa na Carta Apostólica Porta Fidei, nº 14.

Este espírito novo, que levou Jesus a recolocar o Sábado judaico ao serviço das pessoas, conduziu-o também a uma outra celebração da Páscoa, onde inaugurou uma nova libertação identificada com salvação, levando os cristãos a optarem por um outro dia para celebrar o seu gesto salvador.

Recordai-vos do Sábado, dizia o mandamento do Êxodo e do Deuteronómio; como quem diz: lembrai-vos que Eu sou o Senhor e continuo a ser, permanentemente, o vosso criador e libertador, o vosso pai e o vosso rochedo de salvação.

«Fazei-o em memória de mim, recomenda Jesus na última ceia; como quem diz: tornai-me presente nos vossos encontros (Mt 18,20) e na eucaristia, pois «Eu estarei sempre convosco até ao fim» (Mt 28,20); trazei para hoje a consciência do que Eu fiz por vós no passado, de uma vez por todas (Heb 10,11-14), pois renovo-o agora, cada hoje, em quem acolhe a minha palavra, se faz meu discípulo, me anuncia, me come e vive em mim e por mim.

2. DO SÁBADO JUDAICO AO DOMINGO CRISTÃO

2.1. O culto dos primeiros cristãos: do templo para as casas

O Evangelho de Lucas termina dizendo que os apóstolos, depois da ascensão de Jesus ao céu, «estavam continuamente no templo a bendizer a Deus» (Lc 24,53). E o livro dos Atos dos Apóstolos, após a descida do Espírito Santo, primeiro diz: «os que receberam a palavra [de Pedro] e receberam o batismo», eram «assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações, […] «como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo» (1,41.42.46).

Isto revela várias coisas importantes:

1. Os Apóstolos não iam ao templo oferecer sacrifícios como os judeus, mas anunciar a palavra e curar, como Jesus. E os mesmo nas sinagogas.

2. Nos primeiros tempos, a comunidade cristã de Jerusalém ainda se agarrava ao templo, cumpria as prescrições alimentares e praticava a circuncisão. Mas a pouco e pouco foram deslocando o culto dos lugares sagrados do templo e da sinagoga para as suas casas.

3. Aí, além da palavra recebida dos Apóstolos, o seu culto incluía uma refeição ritual, com muita alegria, designada por uma expressão própria, “partilha do pão”, que não se encontra no grego profano mas que é utilizada nos Evangelhos para descrever um gesto caraterístico de Jesus, quer no episódio da multiplicação dos pães (Mc 6,41), quer na narração da Última Ceia (Mc 14,22) e na refeição com os discípulos de Emaús (Lc 24,30).

4. Assim, o tempo da presença de Javé no templo foi substituído pelo tempo do Senhor ressuscitado. A associação entre ressurreição de Jesus e refeição ritual é clara no sermão de Pedro em Jope, ao dizer que comeram e beberam com Ele depois de o Senhor ter ressuscitado dos mortos (At 10,41).

5. À medida que essas refeições rituais se encontram relacionadas com a ressurreição de Jesus, é-nos dito o dia em que são celebradas: além de diariamente, em casa de um deles (At 2,46), fazem-se preferencialmente «no primeiro dia da semana” (At 20,7; 1 Cor 16,2), também chamado “dia do Senhor”.

(A partir de Herbert Haag, Liberdade aos Cristãos, Círculo dos Leitores, coleção Nova Consciência, Lisboa, 1998, pp.183-186).

Ou seja, apesar de várias tentativas judaizantes que Paulo denuncia nalgumas Cartas, os primeiros cristãos foram-se definitivamente afastando do judaísmo, quer ao nível do culto, quer ao nível do “dia santificado” ao Senhor, que passou do Sábado para o Domingo. Mas a sua concretização foi lenta e levou séculos a sedimentar… até hoje.

2.2. Do sétimo dia, para o primeiro e oitavo dia

Com o sucessivo afastar-se do culto do Templo e particularmente depois da destruição de Jerusalém por Tito no ano 70, os cristãos sentiram necessidade de organizar o seu próprio culto, baseado no acontecimento da ressurreição de Jesus, ocorrido no primeiro dia da Semana judaica. Nasce, assim, o DOMINGO (ver Ap 1,10) quando os romanos celebravam o dia do Sol. Em fins do séc. I estava consumada por parte dos cristãos a rutura com o culto sabático dos judeus e aparecia a realidade litúrgica do culto dominical cristão. Para os cristãos, cada domingo era uma Páscoa (Geraldo, p. 24).

Foi Constantino I, O Grande, quem em 7 de março de 321 decretou que o domingo seria observado como dia de repouso civil obrigatório: «Que no venerável dia do sol, os magistrados e as pessoas residentes nas cidades descansem, e que todas as oficinas estejam fechadas. Mesmo assim, no campo, as pessoas ocupadas na agricultura possam continuar livremente os seus afazeres, pois pode acontecer que qualquer outro dia não seja apto para a plantação de vinhas ou de sementes…»

Quatro anos depois, em 325, o I Concílio de Niceia estabelece o «primeiro dia da semana» como dia sagrado para todo o mundo cristão, modificando o nome do “primeiro dia da semana” de Prima Feria para Dies Domenica. E a decisão foi mantida até hoje pela maioria das denominações cristãs.

Eusébio de Cesareia, que viveu entre 265 e 339 (séc. III), na sua Vida de Constantino escrita depois de 337, ao falar sobre O dia do domingo (18) apresentou a motivação cristã daquele decreto: «Constantino dispôs que fosse considerado dia próprio para as orações o dia que é, sem duvida, o mais importante e o primeiro pelo seu valor intrínseco, o dia do Senhor e da redenção» (Vita Constantini, Livro IV (PG 20,905-1230; GCS 7. In Antologia Litúrgica – Textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do Primeiro Milénio, recolha de textos, tradução e organização da obra por José de Leão Cordeiro. Secretariado Nacional de Liturgia, Gráfica de Coimbra, Lda 2004, p.353).

De facto, ao impor o domingo sobre a tradicional observância religiosa judaica do Shabat ou sábado, o Imperador Constantino pretendeu introduzir os pagãos dentro da nova religião – o cristianismo – e assim unificar todo o povo do seu império a partir da referência de Actos 20,7 onde se diz que os cristãos se reuniam no «primeiro dia da semana» para «partir o pão» ou celebrar a eucaristia.

Curiosamente, quase dez séculos mais tarde, quando Cristóvão Colombo, a 3 de novembro de 1493, chegou pela primeira vez ao Caribe, mais precisamente à ilha hoje compartilhada pelo Haiti e pela República Dominicana, pôs-lhe o nome de Dominica, por ser um dia de domingo, segundo o “calendário juliano” então em vigor.

«Nos começos do século V, oPapa Inocêncio I testemunha esse costume já consolidado, dizendo: «Nós celebramos o domingo, devido à venerável ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, não só na Páscoa, mas inclusive em cada ciclo semanal.» E S. Basílio fala do «santo domingo, honrado pela ressurreição do Senhor, primícia de todos os outros dias». Esta ligação íntima do domingo com a ressurreição do Senhor é fortemente sublinhada por todas as Igrejas, tanto do Ocidente como do Oriente.

À luz desta tradição ininterrupta e universal, vê-se com toda a clareza que, embora o «dia do Senhor» tenha as suas raízes, como se disse, na obra da criação, e mais directamente no mistério do «repouso» bíblico de Deus, é preciso fazer referência especificamente à ressurreição de Cristo para se alcançar o pleno sentido daquele. É o que faz o domingo cristão, ao repropor cada semana à consideração e à vida dos crentes o evento pascal, donde mana a salvação do mundo» (DD 19).

3. O DOMINGO: DIA FESTIVO DO SENHOR E DA FAMÍLIA

O “dia do Senhor”, celebrado no “primeiro dia da semana”, ganhou redobradas razões para ser vivido como um dia de FESTA:

«Os cristãos, apercebendo-se da originalidade do tempo novo e definitivo inaugurado por Cristo, assumiram como festivo o primeiro dia depois do sábado, porque nele se deu a ressurreição do Senhor. De facto, o mistério pascal de Cristo constitui a revelação plena do mistério das origens, o cume da história da salvação e a antecipação do cumprimento escatológico do mundo. Aquilo que Deus realizou na criação e o que fez pelo seu povo no êxodo, encontrou na morte e ressurreição de Cristo o seu cumprimento, embora este tenha a sua expressão definitiva apenas na parusia, com a vinda gloriosa de Cristo. N’Ele se realiza plenamente o sentido “espiritual” do sábado, como o sublinha S. Gregório Magno: Nós consideramos verdadeiro sábado a pessoa do nosso Redentor, nosso Senhor Jesus Cristo.»

Por isso, a ALEGRIA com que Deus, no primeiro sábado da humanidade, contempla a criação feita do nada, exprime-se doravante pela ALEGRIA com que Cristo apareceu aos seus, no domingo de Páscoa, trazendo o dom da paz e do Espírito (ver Jo 20,19-23). De facto, no mistério pascal, a condição humana e, com ela, toda a criação, que geme e sofre as dores de parto até ao presente (ver Rm 8,22) conheceu o seu novo êxodo” para a liberdade dos filhos de Deus, que podem gritar, com Cristo, «Abba, Pai» (Rm 8,15; Gl 4,6).

À luz deste mistério, o sentido do preceito vetero testamentário do dia do Senhor é recuperado, integrado e plenamente revelado na glória que brilha na face de Cristo Ressuscitado (ver 2Cor 4,6). Do “sábado” passa-se ao «primeiro dia depois do Sábado», do sétimo dia passa-se ao «primeiro dia»: o dies Domini torna-se odies Christi [dia de Cristo]! (DD 18).

3.1. A “novidade” do Domingo: progressiva distinção do sábado

É altura de falarmos da “originalidade” da festa cristã do domingo, a par com a sua difícil demarcação do sábado judaico.

S. Gregório de Nazianzo (330-389), em O novo domingo (PG 36, 607-622), diz: «Vós perguntais: Que contém o domingo? Escutai: o sábado, esse dia senhorial pré-figurativo, era santificante. Mas o novo domingo é verdadeiramente o natale da salvação eterna. Aquele resultava do repouso sepulcral, mas este, o nosso domingo, é de verdade a chegada da nova criação, a irrupção da vida do alto… (in Antologia Litúrgica…, p. 506, nº 1963, 1963).

«É precisamente sobre esta novidade que insiste a catequese dos primeiros sé-culos, procurando distinguir o domingo do sábado hebraico. O sábado, para os judeus, impunha o dever da reunião na sinagoga e exigia a prática do repouso prescrito pela Lei. Os Apóstolos, e de modo particular S. Paulo, continuaram de início a frequentar a sinagoga, para poderem anunciar lá Jesus Cristo, ao comentar «as profecias que são lidas todos os sábados» (At 13,27). Em algumas comunidades, podia-se registar a coexistência da observância do sábado com a celebração dominical. Bem cedo, porém, se começou a diferenciar os dois dias de forma cada vez mais nítida, sobretudo para fazer frente às insistências daqueles cristãos que, vindos do judaísmo, eram favoráveis à conservação da obrigação da Lei Antiga.

 

A distinção entre o domingo e o sábado hebraico vai-se consolidando sempre mais na consciência eclesial, mas em certos períodos da história, devido à ênfase dada à obrigação do descanso festivo, regista-se uma certa tendência à “sabatização” do dia do Senhor. Não faltaram, inclusive, sectores da cristandade em que o sábado e o domingo foram observados como “dois dias irmãos”.» (DD 23).

«A comparação do domingo cristão com a concepção do sábado, própria do Antigo Testamento, suscitou aprofundamentos teológicos de grande interesse.

 

a) A ligação especial que existe entre a ressurreição e a criação. Era natural a reflexão cristã relacionar a ressurreição, acontecida «no primeiro dia da semana», com o primeiro dia daquela semana cósmica (cf. Gn 1,1-2,4) em que o livro do Génesis divide o evento da criação: o dia da criação da luz (cf. 1,3-5). O relacionamento feito convidava a ver a ressurreição como o início de uma nova criação.» (DD 24).

 

b) «O facto de o sábado ser o sétimo dia da semana fez considerar o dia do Senhor à luz de um simbolismo complementar, muito apreciado pelos Padres: o domingo, além de ser o primeiro dia, é também «o oitavo dia», ou seja, situado, relativamente à sucessão septenária dos dias, numa posição única e transcendente evocadora, não só do início do tempo, mas também do seu fim no «século futuro» [o nº 8 na horizontal].

 

c) «Na perspectiva cristocêntrica, a reflexão crente e a prática pastoral atribuíram ao dia do Senhor uma outra valência simbólica, sugerindo à que cristianizasse, aplicando-a ao domingo, a conotação de «dia do sol», com que os romanos denominavam este dia e que ainda aparece em algumas línguas contemporâneas. Deste modo, impedia-se os fiéis de divinizarem o sol, orientando a celebração deste dia para Cristo, verdadeiro sol da humanidade. Cristo é realmente a luz do mundo (ver Jo 9,5; ver -5.9), e o dia com a sua ressurreição é o reflexo perene, no ritmo semanal do tempo, desta epifania da sua glória.» (DD 27)

Concluindo este percurso do Sábado judaico para o Domingo, podemos dizer com o papa S. Gregório Magno: «Nós, o que está escrito acerca do Sábado recebemo-lo em espírito, praticamo-lo em espírito. O Sábado significa descanso. Mas, o verdadeiro Sábado já o possuímos – o nosso Redentor, Jesus Cristo, Senhor» (citado por Geraldo…, p.26).

3.2. “Nós não podemos viver sem o domingo”

E chegamos ao Domingo dos nossos tempos = dos novos tempos. Olhando para trás, vemos que os cristãos tiveram um grande sentido da economia da história da salvação. Uma vez que Jesus «não viera revogar a Lei, mas completá-la» (Mt 5,17), assumiram outras coordenadas do Sábado judaico para enriquecimento teológico do domingo, a saber:

1. Direito ao repouso. Na disciplina cristã, adquiriu forma de luta pela defesa e alforria dos escravos, por isso ficou como preceito de “abstenção dos trabalhos servis”.

2. Reunião litúrgica e acção de culto como “memorial” e celebração ritual da Ceia Histórica do Senhor através da Eucaristia ou Missa Dominical. Daí o preceito de “ouvir Missa inteira aos Domingos e Festas de guarda”.

3. Comemoração histórica da Páscoa de Jesus e relação com a teologia libertadora do êxodo, que exige dos cristãos conformidade ético-religiosa com a vida nova da graça e solidariedade com as vítimas de todas as opressões e todos os calvários.

4. Antecipação e celebração da vinda escatológica de Cristo na Parusia, conforme pro-clamamos na Eucaristia. Por exemplo, após a consagração: «Quando comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, esperando a vossa vinda gloriosa. E apóso Pai-Nosso: «… enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador» (e isto todos os dias, incluindo o dia de Natal e de Páscoa).

Para além de todas as convergência teológicas entre o Sábado e o Domingo, está aqui uma diferença: o sábado judaico, celebrando o 7º dia do descanso do Criador, considerava sobretudo, em visão retrospetiva, as maravilhas da obra criadora e libertadora de Deus. O Domingo cristão, porém, projeta-se para a realização esperançosa de «um novo céu e uma nova terra» (Ap 21,1; ver Is 63,17). Compreende-se, assim, porque é que os primeiros cristãos aguardavam com tanta expetativa a Parusia escatológica de Cristo, chamando: Marana tha!, isto é, “Vem, Senhor Jesus!” (1 Cor 16,22; Ap 22,20). (ver Geraldo…, pp.24-25).

A Eucaristia é o coração do Domingo cristão. Veja-se a história dos mártires do Domingo, no Norte de África no séc. III, e as suas palavras perante o tribunal a 15 de Fevereiro do ano 304: «Nós não podemos viver sem o Domingo» (Ver Conferência Episcopal Portuguesa, Cata Pastoral A Família, Esperança da Igreja e do Mundo (31 de maio de 2004), Edição do Secretariado-geral da CEP, Lisboa 2004, p.18).

Muitos dos nossos originais “cristãos, mas não praticantes” de hoje, também dirão isto, mas noutro sentido: Nós não dispensamos o Domingo para juntar ao sábado e sair até qualquer sítio para descansar… e regressar na segunda ao trabalho mais cansados e a dizer novamente ‘Nunca mais é Sábado!’

Várias vezes, tenho pensado nisto: andámos estes anos todos a “cristianizar” festas pagãs, para acabarmos paganizando as festas cristãs! Domingo, dia do Sol, cristianizado como Dia do Senhor, para a maioria dos estatisticamente “cristãos” é o dia de ir dar uma volta para ver o Sol… E o Natal…?! E Páscoa…?!

CONCLUSÃO: O DOMINGO, A FAMÍLIA E A FESTA

Como Conclusão de tudo isto, limito-me a transcrever um número da Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa (dos nossos Bispos), de 2004, sobre “A Família, Esperança da Igreja e do Mundo”. Quer dizer que, sem famílias identificadas com a sua vocação e missão, a Igreja e o Mundo podem cair no desespero. Neste caso, no impasse da celebração dominical.

Os assinantes da revista Bíblica poderão já ter preparado o Advento e o Natal desse ano a partir do fundamental desta Carta. Transcrevo apenas o nº 32, sobre A vivência do domingo:

«O domingo é um tempo privilegiado para a construção familiar como realidade de comunhão. É o dia para, tal como Deus perante a obra criada, lançar “um olhar repleto de jubilosa complacência” sobre o amor, a vida, a relação e o trabalho realizado ao longo da semana. É um dia “santificado” por Deus para o homem se lembrar que Deus é a fonte da vida e do amor, que a Ele pertencem o universo e a história, também o universo da família e a sua realidade quotidiana de alegrias e sofrimentos. É o dia pascal, em que celebrando a ressurreição de Cristo e o início da nova criação, a vida e o amor se reconstroem, “fazendo novas todas as coisas” (Ap 21,5).

Sendo o dia da Igreja, o domingo é, também, o dia da família, o dia da «Igreja doméstica», em que, à volta da Eucaristia, são purificados e reforçados os laços do amor e da unidade. Na escuta da Palavra e na participação no sacrifício de Cristo na cruz, a família cristã identifica-se mais com o amor esponsal de Cristo que deu a sua vida pela Igreja, amor que é fonte do seu amor e do qual ela é sinal no mundo.

O Domingo é, também, o dia do repouso, da alegria, da celebração de aniversários, do convívio, do diálogo entre os esposos e entre pais e filhos, da solidariedade (com os parentes doentes, com os mais idosos, com as famílias em dificuldades, com as famílias imigradas).

A celebração e a vivência do domingo cristão será, pois, para o casal e para a família, uma fonte de permanente renovação do amor que impedirá o desgaste, o cansaço e o desencanto a que poderá estar sujeita a vida conjugal e familiar

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Para quem desejar utilizá-lo num encontro ou celebração relacionada com o tema,

deixo este texto do meu livro “em minha memória”, de 2004:

Este é o Dia

Salmo 118,24

Este é o dia que o Senhor fez,

matriz dos dias que nós fazemos.

Este é o dia que o Senhor fez,

para fazermos da noite dia.

Este é o dia que o Senhor fez,

para de novo tudo fazermos.

Este é o dia que o Senhor fez,

para que o feito nós contemplemos.

Este é o dia que o Senhor fez,

para contarmos um tempo novo.

Este é o dia que o Senhor fez,

Primeiro dia dos outros dias.

Este é o dia que o Senhor fez,

dia de festa, dia de todos.

Este é o dia que o Senhor fez,

Oitavo dia, Dia infinito.

Este é o dia que o Senhor fez,

porta de entrada na eternidade.

Este é o dia que o Senhor fez,

Dia dos dias em que nós somos.

Este é o dia que o Senhor fez,

– manhã e tarde – sempre sol alto.

Este é o dia que o Senhor fez,

como relógio do homem novo.

Este é o dia que o Senhor fez,

em que os prodígios marcam as horas.

Este é o dia que o Senhor fez,

quando era a noite maior que o dia.

Este é o dia que o Senhor fez,

fora dos dias do calendário.

Este é o dia que o Senhor faz,

quando lhe damos o nosso dia.

Este é o Dia do Senhor.

Este é o senhor dos dias.

LOPES MORGADO

In em minha memória, DB (2004)

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