Se estiver doente a família, doente estará a sociedade

Entrevista de Ricardo Perna a D. Antonino Dias, publicada em Família Cristã, setembro de 2015

 

Numa altura em que dois acontecimentos mundiais – o Encontro Mundial das Famílias, em Filadélfia, e o Sínodo dos Bispos sobre a Família, em Roma – trazem o tema da Família para a agenda mediática dos católicos em todo o mundo, fomos falar com D. Antonino Dias, presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família e um dos representantes da Conferência Episcopal Portuguesa no sínodo que irá decorrer em Roma.

 

Quais as expectativas para estes dois meses tão dedicados à Família, com o Encontro Mundial das Famílias e o Sínodo?

As expectativas são boas, sobretudo pelo facto de se ter mais uma oportunidade para se falar da Família, se ter provocado a reflexão e o debate sobre temas tão candentes e que dizem respeito a todos. Todos somos membros de uma família. E todos podemos e devemos colaborar nos desafios que o Santo Padre, em nome da Igreja, nos coloca.

 

Em relação a Filadélfia, a participação portuguesa será reduzida, por causa da distância. Como se conseguirá que as famílias portuguesas ouçam tudo o que se passa por lá?

Isso está um bocadinho nas mãos de todos nós, a começar pela comunicação social. É certo que irá pouca gente de Portugal, mas vai a possível. E já é significativo o grupo que vai. Importa, isso sim, que quem fica acompanhe, reflicta e divulgue sem distorcer nem esquecer o essencial.

 

Espera que deste encontro mundial saiam sugestões, opiniões, pontos de vista, que possam ser levados até ao sínodo?

Acredito que no encontro mundial haja temáticas que passaram um pouco ao lado da reflexão feita no sínodo. Outras já terão sido abordadas na assembleia sinodal e continuarão em aberto para o debate. A intenção será, sem dúvida, que tudo ajude à reflexão.

 

Sobre o sínodo, o que esperar desta nova reunião, agora com mais participantes, e depois de um ano de maturação sobre os assuntos abordados no último sínodo?

Todos esperamos, com certeza, que se dêem ou acentuem algumas orientações em relação à pastoral da família. Mas, como sabe, não é por falta de orientações que as coisas não têm andado tanto quanto gostaríamos que andassem. É, sim, por falta de capacidade para implementar o que é preciso implementar e isso não será, por certo, o sínodo que vem resolver.

 

Será importante que também nesta reunião se ouçam famílias e leigos?

Foi sempre importante ouvir diversos pontos de vista e atender ao que dizem os leigos e as próprias famílias. Muito mais nestas temáticas que dizem respeito a todas as pessoas dos mais diversos cantos do mundo, com culturas e experiências diferentes. A partilha traz uma riqueza de experiências muito importante que não se deve supor ou dispensar.

 

Acha que vai mudar alguma coisa na forma como a Igreja olha para a Família depois deste tempo de reflexão e de discussão?

A mudança não estará tanto do lado como a Igreja olha para a Família. Ela tem uma doutrina belíssima sobre a Família e é essa que sempre propôs e continuará a propor. A dificuldade estará em como a deve propor. A dificuldade estará em como a deve propor, em como deve formar aqueles que a aceitam e como deve acolher os que, por razões várias, sofrem o fracasso matrimonial.

 

Quais são as preocupações da Igreja em Portugal que o D. Antonino e o D. Manuel vão levar para o sínodo?

Com certeza que serão aquelas questões que foram sugeridas pela reflexão das famílias e de outros cristãos que quiseram participar. Outras questões serão também as que nós fomos abordando. Mas essas preocupações, em geral, coincidem com as de toda a Igreja. A Igreja que está em Portugal está no mundo e sente os mesmos problemas que as outras Igrejas sentem.

 

Muito se falou no último sínodo de as famílias se começarem a olhar como agentes de evangelização e não apenas como sujeitos. Acha que as famílias estão a ganhar essa consciência?

Sim, desde há muito que se estimula e se fala na necessidade de as famílias serem agentes, protagonistas da evangelização. E há muitas famílias que, na verdade, levam isso muito a sério. Seria bom que fossem mais ou que fossem mesmo todas as famílias a sentir esse dever. Isso acontecerá tanto mais quanto mais formos capazes de implementar uma pastoral da família mais credível e convincente.

 

Falou-se também na necessidade de maior acolhimento, principalmente às situações irregulares, como homossexuais, recasados, etc. Falta isso na Igreja em Portugal?

Embora se vá fazendo caminho caminhando, penso que sempre existiu e existe essa preocupação pastoral. Embora, excepcionalmente, possa haver uma outra pessoa com alguma razão de queixa pela forma como aqui ou ali possa ter sido acolhida, na Igreja existe o respeito por todos e a atenção a todos. Isto não quer dizer que as situações familiares possam ser consideradas todas iguais. Acolher não quer dizer concordar ou ceder naquilo com o qual não podemos concordar nem ceder. Acolher é amar, respeitar, dialogar, ouvir, aprender, esclarecer, ajudar…

 

Considera que há espaço para aprofundar a doutrina no sentido de conceder aos recasados divorciados a possibilidade da comunhão, em circunstâncias bem definidas e possivelmente particulares, e em casos onde esse recasado tenha sido abandonado na sua relação anterior, sem culpa própria?

Embora esteja aberto a uma possível solução para determinados casos e em determinadas situações, sei que a questão não é assim tão fácil quanto se possa pensar. Basta ver como tais debates têm feito posicionar os especialistas: teólogos, pastoralistas, canonistas… Há situações que não oferecem qualquer dúvida, mas outras há que são muito mais complicadas pois não são meramente disciplinares.

 

Em termos de preparação para o Matrimónio e acompanhamento posterior, pensa que a Igreja deve criar mecanismos mais exigentes de preparação, que garantam que os noivos têm perfeita consciência dos sacramentos?

A preparação para o Matrimónio sempre foi uma preocupação da Igreja, preocupação maior do que aquela que manifesta ter a maioria dos próprios noivos e até dos seus pais, primeiros educadores. Não há pastoral familiar que possa esquecer esta etapa de formação, apesar das dificuldades de a implementar.

 

Continuando assim, o número de casamentos irá, provavelmente, diminuir, pelo menos numa primeira fase. É por isso que a Igreja não é tão exigente, ou está preparada para essa realidade?

Partindo do princípio de que o baptizado “tem direito” a casar pela Igreja, sabemos qual é o ideal. Mas que fazer quando os jovens, namorados e noivos, rejeitam essa preparação e se querem impor sem qualquer preparação? Negar-lhes o sacramento, tornando-nos nós controladores ou polícias da sua fé? Com que força, quando eles afirmam que sabem bem o que significa casar pela Igreja? Porque, na verdade, os critérios aqui podem ser muito subjectivos, é onde, de facto, se precisaria de orientações mais precisas. E tudo sem medo de maior ou menor número de matrimónios, não é isso que está em causa.

 

A forma como o individualismo está embrenhado na sociedade de hoje prejudica a família e a noção de compromisso para toda a vida? Como contrariar esta tendência?

Sim, nesta cultura do provisório, do “usa enquanto te serve e dá prazer e do deita fora logo que te seja estorvo para novas aventuras”, entendo que só a força do amor verdadeiro tudo poderá vencer. E esta cultura do amor também se educa e aprende, a começar por casa, pelo testemunho alegre e feliz dos próprios pais, onde, inclusive, esteja viva a pedagogia e a fidelidade de Jesus Cristo à sua Igreja que deu a sua vida por ela, santificando-a.

 

Acha que, de facto, a Família está na ordem do dia na cabeça das pessoas? Há a noção de que esta é uma base fundamental da sociedade?

Penso que sim, embora de forma diferente. Muita gente não combate nem diz mal da Família, é certo. Em público até é capaz de a enaltecer. Hoje, aliás, não se ouve dizer mal da Família. Mas ignora-se, constrói-se ao lado ou legisla-se contra ela, ferindo-a de morte. As patologias da Família devem muito a estas atitudes de aparente indiferença e a legislações em vigor. Outros há que a têm muito presente como um valor insubstituível e a procuram defender e promover como “património da Humanidade” e base fundamental da sociedade. Estão conscientes de que se estiver doente a família, doente estará a sociedade.

 

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