“Que a praça digital seja lugar de encontro, não de linchamento moral”

Em sua mensagem para a 50º Jornada Mundial das Comunicações Sociais, Francisco deseja um “encontro fecundo” entre comunicação e misericórdia. E cita Shakespeare ..

 

22 janeiro 2016 – A comunicação é antes de tudo um sinal de amor, portanto de misericórdia. Porque a Igreja é chamada a viver “a misericórdia como marca característica de todo o seu ser e do seu atuar”, cada palavra ou gesto “deveria poder expressar a compaixão, a ternura e o perdão de Deus par todos”.

Com estes termos começa a mensagem do Papa Francisco para 50ª Jornada Mundial das Comunicações Sociais. Na linha do Jubileu, o tema escolhido para este ano pelo Santo Padre é: Comunicação e misericórdia: um encontro fecundo.

“O amor, por sua natureza, é comunicação, leva a abrir-se e não isolar-se – escreve o Papa na Mensagem -. E se o nosso coração e os nossos gestos são inspirados pela caridade, pelo amor divino, a nossa comunicação será portadora da força de Deus”.

Todos os seres humanos, sem exceção nenhuma, são “chamados se comunicar como filhos de Deus com todos”, ou seja, transmitindo aquela “misericórdia” que pode “tocar os corações das pessoas e apoiá-las no caminho para a plenitude da vida”.

Todo cristão é, em outras palavras, chamado acolher e difundir ao redor de si o “calor da Igreja Mãe, para que Jesus seja conhecido e amado” para dar “substância às palavras da fé” e acender “na pregação e no testemunho a ‘faísca’ que os torna vivos”.

Através da comunicação, o homem pode “construir pontes” e “promover o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade”. Escolhendo “com cuidado palavras e gestos”, os homens podem “superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia”.

As palavras, portanto, podem “construir pontes entre as pessoas, as famílias, os grupos sociais, os povos”, tanto no ambiente “físico”, quanto no “digital”. Para isso, o Papa exorta a “palavras e ações” que ajudem a “sair dos círculos viciosos das condenações e das vinganças, que continuam a prender os indivíduos e as nações, e que conduzem a expressar-se com mensagens de ódio”.

O cristão deve, então, expressar-se com palavras que fazem “aumentar a comunhão” e, mesmo quando deve “condenar com firmeza o mal”, deve procurar “nunca romper a relação e a comunicação”.

Os “ressentimentos” e as “velhas feridas” que correm o risco de “aprisionar as pessoas e impedir-lhes a comunicação e a reconciliação”, são encontradas também nas “relações entre os povos”, mas em todos esses casos “a misericórdia é capaz de ativar um novo modo de falar e de dialogar”.

A este respeito, Francisco cita Shakespeare, que, no Mercador de Veneza escreve: “A misericórdia não é uma obrigação. Cai do céu como um frescor da chuva sobre a terra. É uma bênção dupla: abençoa quem a dá e quem a recebe”.

A linguagem da misericórdia, deveria permear também a “política” e a “diplomacia”, acrescenta o Papa, fazendo, assim, um apelo “à todos aqueles que têm responsabilidades institucionais, políticas e na formação da opinião pública, para que estejam sempre vigilantes sobre o modo de expressar-se com relação a quem pensa ou age de forma diferente, e também de quem pode ter errado”.

O desejo do Santo Padre é de uma linguagem que nunca expresse “o orgulho soberbo do triunfo sobre o inimigo”, nem a humilhação com relação “àqueles que a mentalidade do mundo considera como descartados e perdedores”.

A misericórdia deve, portanto, “oferecer calor a todos aqueles que só conheceram a frieza do juízo”, com um estilo comunicativo, capaz de superar aquela “lógica que separa claramente os pecadores dos justos”.

Se é verdade que é “nossa tarefa admoestar quem erra”, a fim de “libertar as vítimas” do mal e “levantar o caído”, nunca se pode “julgar as pessoas, porque só Deus pode ler profundamente em seus corações” .

A verdade que nos fará livres (cfr. Jo 8, 32) deve ser afirmada “com amor” e acompanhada com palavras de “mansidão e misericórdia” que toquem “os corações de nós, pecadores”. Pelo contrário, “palavras e gestos duros ou moralistas correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queremos conduzir à conversão e à liberdade, reforçando-lhes o seu sentimento de negação e de defesa”.

Em seguida, o Papa Francisco desmascara o mito de que “uma visão da sociedade enraizada na misericórdia seja injustificadamente idealista ou excessivamente complacente”.

A verdadeira misericórdia pode ser explicada pelo modo como se vive o amor familiar: “Os pais nos amam e apreciam por aquilo que somos mais do que pelas nossas capacidades e os nossos sucessos – escreve Bergoglio – . Os pais naturalmente querem o melhor para os próprios filhos, mas o amor deles nunca é condicionado pelo cumprimento de metas”. Em uma verdadeira família, em outras palavras, não reina a competição, mas a porta é “sempre aberta” e “busca-se acolher-se mutuamente”.

Há também a “nunca fácil” dimensão da escuta, ou seja, da capacidade de “compartilhar perguntas e dúvidas, de percorrer um caminho lado a lado, de libertar-se de qualquer presunção de onipotência e colocar humildemente as próprias capacidades e os próprios dons a serviço do bem comum”.

Na escuta, explica o Pontífice, “realiza-se uma espécie de martírio, um sacrifício de si mesmo” que, no entanto, envolve “uma graça imensa”, portanto, é “um dom que é necessário invocar para depois exercitar-se em praticá-lo”.

Entrando no debate nas redes sociais e nas novas mídias, o Santo Padre recordou que “não é a tecnologia que determina se a comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e a sua capacidade de fazer bom uso dos meios à sua disposição”.

Dependendo de como se utilizam, as redes sociais podem “favorecer as relações e promover o bem da sociedade” ou, pelo contrário, “levar a uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos. O ambiente digital – continua o Papa – é uma praça, um lugar de encontro, onde é possível acariciar ou ferir, ter uma discussão útil ou um linchamento moral”.

Mesmo em redes digitais pode se construir uma “verdadeira cidadania” e uma “sociedade saudável e aberta à partilha”: isso implica “uma responsabilidade com o outro, que não vemos mas que é real, tem a sua dignidade que deve ser respeitada”.

Concretizando o tema da Jornada Mundial, Francisco insiste que “o encontro entra a comunicação e a misericórdia é fecundo na medida em que gera uma proximidade que se preocupa, conforta, cura, acompanha e celebra”.

O Santo Padre conclui, então, a Mensagem recordando o quanto “em um mundo dividido, fragmentado, polarizado”, comunicando “com misericórdia” seja possível “contribuir para a boa, livre e solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmão na humanidade”.

 

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