Porque é possível enriquecê-lo, sem o explorar

Pioneira, desde 1976, na cruzada a favor de muitos dos ideais de sustentabilidade que fazem obrigatoriamente parte das empresas socialmente responsáveis da actualidade, a The Body Shop comemora, este ano, o 30º aniversário do seu bem-sucedido programa de comércio justo com as comunidades, uma das várias bandeiras que começou por ser acenada pela sua irrequieta, ambientalista e idealista fundadora. Anita Rodick morreu há 10 anos, mas o seu legado continua vivo. Aquilo a que chamou “liderança moral” – ou a crença de que uma empresa pode ser simultaneamente ética e lucrativa – transformou-se num movimento corporativo e a empresa continua a perseguir o sonho que idealizou: ser a “mais ética e sustentável do mundo”

 

POR MÁRIA POMBO

Nasceu em 1942 numa província inglesa, filha de imigrantes italianos, e sempre se considerou outsider e rebelde, com um grande sentido de consciência moral, tendo sentido uma grande indignação após ter encontrado um livro sobre o Holocausto, com apenas 10 anos. Falamos de Anita Roddick. Activista dos direitos humanos e da preservação da natureza, e defensora acérrima de causas éticas, dedicou uma grande parte da sua vida a fazer do movimento ecológico um assunto do interesse geral e a transformar a ideia de ‘salvar o planeta’ num tema que está ‘na moda’.

Dedicou os primeiros tempos da sua vida ao ensino, mas uma oportunidade em Israel transformou-se num longo período de trabalho no terreno, em várias partes do mundo. De volta a Inglaterra, casou, teve duas filhas e tudo indicava que iria ter uma vida vulgar e dentro da normalidade. Claro que, para escrevermos este artigo, algo terá Anita Roddick que ter feito. Abriu um restaurante, depois um hotel na sua terra natal, mas foi na indústria da cosmética que acabou por criar o negócio, como forma de sustento para si e para as suas duas filhas, enquanto o marido viajava entre a América do Sul e a do Norte, em trabalho, durante uma grande parte do ano.

Todavia, este caminho revelou ser transformador, tanto para si enquanto cidadã preocupada com o planeta, como para todas as comunidade que acabou por apoiar, como ainda para os próprios consumidores, que passaram a ter disponíveis produtos de beleza naturais e livres de químicos. As viagens que fez pelo mundo permitiram-lhe contactar e conviver com variadas comunidades que escapa(ra)m à industrialização, sendo que são muitas as que continuam a utilizar o que a natureza lhes dá para se embelezarem e ‘maquilharem’.

Foi desta forma que surgiu, em 1976 a primeira loja The Body Shop (TBS), na qual Anita Roddick vendia variados produtos naturais de cosmética. Sem experiência nem conhecimentos sobre gestão de empresas, foi deste modo que percebeu que um negócio não é sinónimo de ciência financeira, e depressa teve consciência de que a estratégia para ter sucesso tinha que passar pela criação de “um produto ou serviço que levasse as pessoas a querer pagar para o ter”, quer seja porque se trata de um bem essencial ou porque o mesmo é inovador. E, de facto, a The Body Shop foi um marco na história da sustentabilidade ambiental, tendo em conta que surgiu bem antes de o ‘verde’ se tornar moda.

É que – e esta é uma das suas características mais marcantes e um motivo pelo qual se tornou célebre – Anita Roddick, não procurava apenas o lucro. Pretendia também, e acima de tudo, promover a ideia, que tanto defendia, de que “os negócios têm o poder de fazer o bem”. Se hoje em dia esta ideia sustenta a base de muitos modelos e tendências de negócios, a verdade é que Roddick foi uma das primeiras empresárias a iniciar este movimento pioneiro.

Tempos depois, e com o apoio do marido, a descendente de italianos começou a expandir a marca através de franshising, tornando-a, a pouco e pouco, conhecida a nível mundial. E em 1987, a TBS criou o programa “Trade Not Aid” – também denominado de Comércio com as Comunidades, que ainda hoje existe e é considerado “o mais forte programa de comércio justo na indústria da cosmética” – com o objectivo de “fazer comércio”de forma justa com os fornecedores (que são maioritariamente agricultores em pequena escala, artesãos tradicionais e cooperativas rurais, em diversos cantos do planeta). O seu primeiro fornecedor foi um fabricante na Índia e esta relação mantém-se até aos dias de hoje.

Em 2007, e por motivos de doença, o mundo perdeu esta pioneira da “ecologia empresarial” e uma das grandes defensoras do planeta e do comércio justo. Anita Roddick é recordada como “uma enorme inspiração para todos os que a rodeavam”, como “uma pensadora independente e activista política”, como “alguém que estava à frente do seu tempo no que respeita a encarar os negócios de uma perspectiva diferente”, como “alguém que estava sempre a procurar novas formas de poder ajudar os outros”… Anita Roddick foi, acima de tudo, uma pessoa que nunca desistiu da causa que a movia, mesmo quando o mundo (empresarial) lhe dizia que o caminho para o sucesso não podia passar pelo modelo que defendia.

Contudo, e contrariamente ao que poderia ter acontecido, a sua marca não esmoreceu, e os seus colaboradores continuam a lutar por um mundo mais justo e sustentável, com a convicção de que “uma empresa pode e deve ser uma força positiva para a mudança”, demonstrando que todo o esforço feito pela sua fundadora não foi em vão.

© DR Thebodyshop.co.id

Uma marca que não perdeu a sua consciência social e ambiental

A empresa que Anita Roddick fundou continua a crescer, não apenas enquanto negócio mas também enquanto exemplo a favor dos direitos humanos e da natureza. Actualmente, e também através do programa “Trade Not Aid”, a TBS tem 26 fornecedores em 22 países. Trinta anos após o início desta iniciativa ambiciosa e uma década após o desaparecimento da sua fundadora, a empresa apoia cerca de 20 mil pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade económica, nas comunidades que lhe fornecem produtos e ingredientes.

Para a responsável de marketing e comunicação da TBS em Portugal, “o principal legado deixado pela fundadora da The Body Shop foi o espírito rebelde e inovador que encontramos e fomentamos em todos os colaboradores da marca”. Selma Manjee explica ainda ao VER que “a Dama Anita Roddick acreditava que os negócios tinham de ser uma força de mudança social e não apenas uma fonte de rendimento”, sublinhando que a marca “continua a ter uma forte consciência social e ambiental, e esta consciência reflecte-se na forma como a estratégia da empresa é definida”.

Em 30 anos, são diversas as metas já alcançadas pela TBS. De acordo com Selma Manjee, a empresa “tem o maior programa de comércio justo da indústria da cosmética mundial e investe em muitos projectos comunitários, incluindo infra-estruturas para a educação, formação e saúde”, dando como exemplo os lucros dos presentes de Natal de 2013, os quais “financiaram a construção de cinco novas escolas na Índia, Nepal, Gana e Honduras, países onde existem parceiros de Comércio com as Comunidades”. Mais recentemente, e também como parte da campanha de Natal de 2015, a TBS associou-se à WaterAid e, com a ajuda dos clientes e dos mais de 4,4 milhões de presentes vendidos, foram angariados fundos para proporcionar acesso a água potável a mais de três mil pessoas residentes nas zonas rurais da Etiópia.

Todavia, não é apenas o Comércio com as Comunidades que move esta empresa. A promoção de um comércio ético é uma das ‘bandeiras’ da TBS, a qual pretende garantir que os fornecedores, retalhistas e todos aqueles que pertencem à sua cadeia de valor(es) proporcionam condições de trabalho dignas e justas aos seus colaboradores. A TBS trabalha com mais de 120 fornecedores, fazendo-lhes visitas regulares para analisar as condições e conversar com os colaboradores, garantido que não existem situações de trabalho ilegal ou abusivo.

A este respeito – e considerando que a indústria da cosmética (que cresce 4% ao ano e está avaliada em 29 mil milhões de euros) tem uma obrigação legal no que toca à sustentabilidade, sendo crescente o esforço das marcas em reduzir a pegada de carbono e garantir condições dignas de trabalho – a representante da TBS em Portugal explica que a The Body Shop “vai um pouco mais longe, não se limitando apenas a manter relações comerciais com base em preços considerados justos”. Para a também crente na economia da partilha e no comércio local, “a relação entre os compradores de matérias-primas da TBS e os produtores é uma relação de continuidade, de parceria e de mentoria”. Ou seja, não se trata apenas de uma “relação comercial, mas também educacional e motivacional”.

© DR

Porque o verde nunca foi só uma cor

Em 2016, a TBS assumiu o compromisso Enrich Not Exploit (Contribuir sem Explorar, em português), com o objectivo de se “tornar a empresa mais ética e sustentável do mundo” até 2020. Assegurar que 100% dos ingredientes naturais utilizados são rastreáveis e sustentáveis, e regenerar 75 milhões de metros quadrados de floresta tropical são alguns dos principais objectivos deste programa ambicioso.

Seguindo o mesmo e até 2020, a TBS compromete-se também a duplicar o seu programa de Comércio com as Comunidades, passando da comercialização de 19 (em 2016) para 40 ingredientes que serão utilizados no fabrico de variados produtos da marca, o que lhe permite estimular o progresso das comunidades onde os mesmos são produzidos. Isto significa que, dentro de três anos, a empresa estará a ajudar cerca de 40 mil pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, permitindo que estas tenham acesso ao mercado de trabalho e possam viver dignamente. Para alcançar esta meta, a empresa espera obter, até ao final deste ano, 23 ingredientes provenientes de 30 comunidades que estão distribuídas por 22 países.

Complementarmente, e garantindo que os seus produtos nunca são testados em animais, a TBS está empenhada em assegurar que, dentro de três anos, a totalidade dos seus ingredientes naturais sejam provenientes de uma fonte sustentável, protegendo assim 10 mil hectares de bosque e de outros habitats. Reduzir a sua pegada ambiental em todas as categorias de produtos e disponibilizar informação acerca dos ingredientes de origem natural e ainda sobre a sua biodegradabilidade e impacto na água são outras metas que a TBS pretende alcançar.

Já a nível ambiental, o compromisso é igualmente ambicioso. A responsável de marketing e comunicação da empresa referiu, como exemplo, a campanha de Bio-Bridges (corredores ecológicos), em que a TBS se compromete “a restaurar floresta tropical na Indonésia, Vietname e Malásia, áreas que têm sofrido uma enorme desflorestação nos últimos anos”. A campanha de 2016, que consistiu em restaurar 1 m2 de floresta tropical por cada presente comprado na TBS nesse ano, permitiu o restauro de 17,2 milhões de m2 de floresta tropical nas zonas referidas, “o que nos aproxima da nossa meta de 2020, que é de 75 milhões de m2”, refere Selma Manjee.

Por fim – mas longe de ser um objectivo pouco importante ou menos ambicioso – a empresa assume estar empenhada em reduzir o impacto ambiental também nas suas lojas (através da utilização de energia renovável e de baixo carbono), em produzir novas embalagens inovadoras e sustentáveis, e em garantir que, no máximo, apenas 30% das suas embalagens contenham combustíveis fósseis.

Este é um compromisso ousado com o planeta, com as pessoas e com a natureza, mas Selma Manjee considera que a empresa onde colabora está “no bom caminho” e acredita que “2020 será um ano de celebração das metas alcançadas para a marca”. A trajectória até agora percorrida revela que a The Body Shop é um bom exemplo, demonstrando que a par dos lucros é possível promover os direitos humanos e o trabalho digno, estimular as comunidades que fornecem as matérias-primas e outros produtos, e estimular ainda a preservação da natureza.

Artigo publicado em “Valores, Ética e Responsabilidade” – ACEGE – 4 maio 2017

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