OS HOMENS APRENDEM NA FAMÍLIA A GRAMÁTICA DA FÉ

Artigo do Pe. José Granados, com texto de Ricardo Perna, publicado em Família Cristã, dezembro de 2015

 

O Pe. José Granados é vice-presidente do Instituto Pontifício João Paulo II para o Estudo do Matrimónio e da Família e participou no Sínodo dos Bispos sobre a Família como especialista convidado. Achou a experiência enriquecedora e considera que o sínodo abriu alguns caminhos e confirmou outros já conhecidos, sempre no sentido de fortalecer esta ligação essencial entre a Igreja e a Família.

 

Foi dado um enfoque muito grande no sínodo ao acolhimento de todas as famílias, de todas as realidades. Como é que isto se pode tornar realidade?

Toda a pastoral familiar e toda a pastoral da Igreja deveria passar pela família, mas isto não está presente na nossa pastoral familiar. Quando uma família em dificuldades chega a um pároco com os seus problemas, ele não sabe o que fazer; não sabe que caminho indicar ou dizer. Temos de ir mesmo à formação dos sacerdotes e promover a participação das próprias famílias na pastoral da comunidade. Um bispo da Índia dizia: aqui no Ocidente contam os indivíduos; mas nós, com uma visão mais comunitária, contamos as famílias da paróquia.

 

 A família sai reforçada destes dois anos de conversa e discussão, dentro e fora da Igreja?

O essencial é dizer que se abre um caminho. O caminho do sínodo foi abrir as portas e fortalecer a visão de que as famílias caminham. Mas há que valorizá-lo. O Evangelho é não só uma boa notícia para as famílias, mas as próprias famílias são um lugar do Evangelho. Os homens aprendem na família a gramática da fé. E isto dá força; é uma força de esperança para o futuro da Igreja e do mundo.

 

Acompanhamento e discernimento, porque as coisas são diferentes de família para família. Isto também não é algo novo, mas sabe a novo…

Efectivamente. É essencial o acompanhamento a todas as famílias, desde o princípio, desde a preparação para o matrimónio, todo o seguimento, etc. Mas o que mais interessa é o acompanhamento das famílias traumatizadas. Creio que o diálogo de Jesus com a samaritana é uma referência muito boa como método de ensino. Aparece no nº 41 do documento, em que Jesus se dirige primeiro ao desejo de amor que há no coração da samaritana; compreende-a e acompanha-a. A partir deste desejo de amor foi capaz de lhe dizer que a situação em que se encontrava não era boa para si.

 

Isto era algo que estava a faltar na Igreja e nas paróquias…

Há que saber que às vezes existem posições ideológicas em torno da família. Querer justificar, por exemplo, o divórcio; querer justificar, ou querer dizer que esta situação é boa… Aí há uma visão ideológica no sentido de se querer justificar opções de vida diferentes das da Igreja. Creio que este é um caminho de aproximação, e isto tem faltado nas paróquias. A família tem de ser protagonista dessa pastoral, não é apenas o sacerdote. A própria família converte-se em protagonista de acompanhamento para outras famílias.

 

No final do sínodo, e sobre os divorciados recasados, as opiniões dividiram-se. Partilha da opinião de que o sínodo se pronunciou favoravelmente a um caminho de penitência para os divorciados recasados que pode, em algumas situações específicas, dar acesso aos sacramentos? Ou é da opinião de que essa opção ficou fechada?

Em primeiro lugar queria dizer que há um desejo do sínodo de acompanhar estas pessoas. No grupo em que eu estava, um dos bispos disse que a solução não era responder se dávamos a comunhão ou não, mas antes sair e acompanhar. Acompanhar para participarem mais na vida da Igreja, pensando principalmente nos divorciados que agora estão em uniões civis. Para acompanhar, é necessário conhecer a meta. A meta que a Igreja propõe a uma pessoa é viver segundo o Evangelho. O caminho, as palavras que se podem dizer, o acompanhamento com paciência, são importantes, mas não se pode consentir que uma pessoa decida que a sua vida se estabilizou num modo contrário ao de Jesus. Por isso temos de ver o tema da comunhão aos divorciados em nova união civil segundo o que a Igreja tem para dar.

 

A Igreja, durante muitos anos, falhou para com os casais na preparação para o sacramento do Matrimónio, mas sempre exigiu muito desse sacramento. Isto é justo?

Creio que aí há um trabalho a fazer. Se chegam sem preparação anterior, creio que a chave seria acompanhá-los nos primeiros anos do matrimónio. A experiência diz que a maioria dos divórcios se dá nos primeiros cinco anos. Depois, há que insistir na preparação para o casamento. Não digo que não seja importante. Com uma linguagem nova, próxima; ensiná-los que a família não é uma instituição privada, mas sim algo de comunitário; ensiná-los sobre as dificuldades que vão encontrar durante o caminho, e incluir outras famílias que os possam acompanhar. Mas creio que o trabalho fundamental que se deve fazer é o acompanhamento das famílias, não apenas prepará-las e depois deixá-las sós.

 

Como se pode fazer esse acompanhamento das famílias numa paróquia com milhares de pessoas e sem milhares de casais para o fazer?

É um grande desafio, e será preciso começar a trabalhar. O trabalho é formar as famílias. Mas também aqui o padre tem de entender que o trabalho não é com indivíduos, mas com famílias, e que quando fala não é a um indivíduo, mas a um irmão, pai, mãe, esposo, esposa, ao avô, e a sua pregação e o seu trabalho atravessa a unidade familiar. Lentamente irão surgindo famílias.

 

Mas para as pessoas que chegam, não preparadas para o matrimónio, deve-se dizer «não»? Pode-se dizer «não»?

Sim, e há que o dizer claramente. Mas tudo depende de um diálogo com as pessoas. Se vemos que falta maturidade, e se vemos que a este nível num curso de preparação para o casamento os noivos não estão preparados, evidentemente que se deve verificá-lo, acompanhá-los, tentar pelo menos que se reúnam as condições mínimas para que possa haver um verdadeiro matrimónio, senão não os podemos admitir. Creio que isso é que justifica o acompanhamento. Por experiência própria, quando se explica o que é o matrimónio cristão, há alguns que dizem que este não é o seu caminho, e saem à procura de outras opções. Mas são os frutos dos cursos.

 

Um dos assuntos de onde se esperava alguma novidade tem a ver com o planeamento familiar, mas aí o sínodo limitou-se a reforçar a Humanae vitae. Isto ainda faz sentido hoje em dia?

Certamente que o sínodo confirmou o ensino da Humanae vitae. Como disse o Papa, esse ensino foi profético e é difícil de entender hoje. O que quer dizer que não é apenas uma abertura à vida, mas uma abertura que seja integrante de amor. A chave não é apenas vida, mas a vida que pertence ao amor. Todo o ato de amor entre marido e mulher tem um elemento de fecundidade. Há que respeitar esse elemento de fecundidade, não o impedir nem cortar, se queremos que o amor seja verdadeiro.

 

Com os métodos naturais estamos também a cortar…

Não, porque aí não se está a acabar com nenhuma dimensão. Simplesmente dentro do que é o corpo humano, e que não depende de nós, mas recebemos de Deus, entramos na lógica daquilo que o corpo tem ou permite. A primeira coisa é que os métodos artificiais contraceptivos não requerem nenhuma virtude da pessoa. Basta aplicá-los, porque são métodos técnicos. Os métodos naturais, porque não são técnicas, são um caminho…

 

Mas o ato de amor é um ato espontâneo. Os métodos naturais obrigam a uma planificação…

É um ato espontâneo, mas é um ato da espontaneidade humana, não animal. A espontaneidade é amar correctamente. Tomamos a pessoa segundo um modo humano, e a espontaneidade não é dizer o que quero e pronto… às vezes, a palavra espontaneidade pode entender-se em duplo sentido: na sexualidade há um elemento de prazer, que é essencial, porém não elimina a virtude, a arte de amar. A visão cristã da sexualidade é um momento de dom de si ao outro. E o método natural tem isto de integral: favorece o dom de si, porque toda a sexualidade deve ser o dom de si.

 

Se este problema é assim tão claro na Igreja, porque é que muitas pessoas não a cumprem?

No nº 63º, o sínodo fala com firmeza no dever de formar a consciência dos esposos. Ensinar o que é o amor, e que há uma verdadeira fecundidade para o seu amor. O respeito de um pelo outro e não apenas o anseio da virtude. Não são apenas técnicas ou métodos, pois requerem a totalidade da pessoa e o modo como duas pessoas se falam e comunicam. É um caminho formativo.

 

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