Nunca escravos do trabalho

O Papa Francisco falou sobre a importância da festa em família

Denunciou os ritmos desregrados que provocam vítimas entre os jovens

Publicado em L’Osservatore Romano, 20 de agosto de 2015

 

«Hoje inauguramos um breve percurso de reflexão em três dimensões, que cadenciam o ritmo da vida familiar: a festa, o trabalho e a oração», disse o Papa Francisco introduzindo na sala Paulo VI a catequese da audiência geral de quarta-feira 12 de agosto, dedicada precisamente ao primeiro dos temas, a festa em família. Publicamos a seguir as suas palavras pronunciadas nessa ocasião.

 

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje inauguramos um breve percurso de reflexão em três dimensões, que, por assim dizer, cadenciam o ritmo da vida familiar: a festa, o trabalho e a oração.

Encetemos pela festa. Hoje falaremos sobre a festa. E digamos imediatamente que a festa é uma invenção de Deus. Recordemos o desfecho da narração da criação no Livro do Génesis, que há pouco ouvimos: «Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho. Ele abençoou o sétimo dia e consagrou-o, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação» (2, 2-3). É o próprio Deus que nos ensina a importância de dedicar tempo à contemplação e à fruição daquilo que foi bem feito mediante o trabalho. Naturalmente, falo de trabalho não apenas no sentido do ofício e da profissão mas no seu sentido mais amplo: cada gesto com que nós, homens e mulheres, podemos colaborar para a obra criadora de Deus.

Portanto, a festa não é a indolência de ficar sentado na poltrona, nem a ebriedade de um escapismo insensato; não, a festa é antes de tudo um olhar amoroso e agradecido sobre o trabalho bem feito; festejemos um trabalho! Também vós, recém-casados, festejais a labuta de um bom tempo de noivado: e isto é bonito! É o tempo para olhar os filhos, os netos que crescem, e pensar: que bonito! É o tempo para olhar a nossa casa, os amigos que hospedamos, a comunidade que nos circunda, e pensar: que bom! Deus agiu assim, quando criou o mundo. E ainda age continuamente assim, porque Deus cria sempre, até neste momento!

Pode acontecer que uma festa chegue em circunstâncias difíceis e dolorosas, e talvez seja celebrada «com um nó na garganta». E no entanto, até nesses casos, peçamos a Deus a força para não a esvaziar completamente. Vós, mães e pais, sabeis bem isto: quantas vezes, por amor aos filhos, sois capazes de superar os desgostos para permitir que eles vivam bem a festa, saboreando o bom sentido da vida! Há tanto amor nisto!

Inclusive no ambiente de trabalho, às vezes – sem faltar aos próprios deveres! – nós sabemos «inserir» algumas centelhas de festa: um aniversário, um casamento, um nascimento, assim como a despedida ou a chegada de alguém… é importante. É importante fazer festa! São momentos de familiaridade na engrenagem da máquina de produção: faz-nos bem!

Contudo, o verdadeiro tempo da festa suspende o trabalho profissional e é sagrado, porque recorda ao homem e à mulher que são feitos à imagem de Deus, o qual não é escravo do trabalho mas Senhor, e portanto também nós nunca devemos ser escravos do trabalho, mas «senhores». Para isto existe um mandamento, um mandamento que se refere a todos, sem excluir ninguém! E no entanto, sabemos que existem milhões de homens e mulheres, e até crianças, escravos do trabalho! Nesta época existem escravos, pessoas que são exploradas, escravos do trabalho, e isto é contra Deus e contra a dignidade da pessoa humana! A obsessão do lucro económico e o eficientismo da técnica ameaçam os ritmos humanos da existência, porque a vida tem os seus ritmos humanos. O tempo do descanso, sobretudo dominical, é-nos destinado para podermos gozar daquilo que não se produz e não se consome, que não se compra e não se vende. E no entanto, vemos que a ideologia do lucro e do consumo quer devorar também a festa: até ela, às vezes, é reduzida a um «negócio», a um modo de ganhar dinheiro e de gastá-lo. Mas é para isto que trabalhamos? A ganância do consumo, que acarreta o desperdício, é um vírus ruim que, de resto, no final nos faz sentir mais cansados do que antes. Prejudica o trabalho autêntico e consome a vida. Os ritmos desregrados da festa provocam vítimas, muitas vezes jovens.

Enfim, o tempo da festa é sagrado porque Deus o habita de uma maneira especial. A Eucaristia dominical leva à festa toda a graça de Jesus Cristo: a sua presença, o seu amor, o seu sacrifício, o seu fazer-nos comunidade, o seu estar connosco…E assim cada realidade recebe o seu pleno sentido: o trabalho, a família, as alegrias e as dificuldades de cada dia, mas também o sofrimento e a morte; tudo é transfigurado pela graça de Cristo.

A família é dotada de uma competência extraordinária para compreender, orientar e promover o valor autêntico do tempo da festa. Mas como as festas em família são bonitas, belíssimas! E em particular a festa do domingo. Sem dúvida, não é por acaso que as festas nas quais há lugar para a família inteira são as mais bem sucedidas!

A própria vida familiar, contemplada com os olhos da fé, parece-nos melhor do que os esforços que ela nos custa. Manifesta-se-nos como uma obra-prima de simplicidade, bonita precisamente porque não é artificial nem postiça, mas capaz de incorporar em si todos os aspectos da vida real. Parece-nos como algo «muito bom», como Deus disse no final da criação do homem e da mulher (cf Gn 1, 31). Por conseguinte, a festa é um presente precioso de Deus; um dom inestimável que Deus ofereceu à família humana: não o estraguemos!

 

«Não obstante os ritmos acelerados da nossa época, não percais o sentido do dia do Senhor! Ele é como o oásis onde parar para saborear a alegria do encontro e saciar a nossa sede de Deus», recomendou no final o Papa Francisco aos fiéis de expressão árabe presentes na audiência geral. A seguir, algumas das saudações do Pontífice nessa circunstância.

Dirijo uma saudação cordial a todos os peregrinos de língua portuguesa. Sois chamados a ser testemunhas do Evangelho no mundo, transfigurados pela alegria e pela graça misericordiosa que Jesus nos dá cada domingo na Santa Missa. Desça sobre vós e sobre vossas famílias a bênção de Deus.

Dou cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua árabe, de modo particular aos provenientes do Médio Oriente! Caros irmãos e irmãs, enquanto imagem de Deus, o homem é chamado também ao descanso e à festa, e para nós cristãos o momento de festa é o Domingo, dia do Senhor. Amadas famílias, não obstante os ritmos acelerados da nossa época, não percais o sentido do dia do Senhor! Ele é como o oásis onde parar para saborear a alegria do encontro e saciar a nossa sede de Deus!

Saúdo os participantes no Acampamento internacional promovido pela Obra para a Juventude intitulada «Giorgio La Pira» e quantos participam no Congresso sobre «ética e democracia». Dirijo um pensamento especial às capitulares das Irmãs de Nossa Senhora do Amor Divino. Invoco sobre todos a abundância dos dons do Espírito Santo em ordem a um renovado fervor espiritual e apostólico.

É-me grato saudar cordialmente os jovens, os doentes e os recém-casados. Ontem pudemos celebrar a memória de santa Clara de Assis, modelo luminoso de jovem que soube viver a sua adesão a Cristo de modo intrépido e com generosidade. Imitai o seu exemplo, particularmente vós, estimados jovens, para poderdes responder fielmente, como ela, ao chamamento do Senhor. Animo-vos, prezados enfermos, a unir-vos cada dia a Jesus sofredor, carregando com fé a vossa cruz para a salvação de todos os homens. E vós, queridos recém-casados, sede sempre em família apóstolos do Evangelho do amor.

 

 

Scroll to Top