A esta altura, parece que a maioria que desembolsa as mensalidades nas escolas católicas é capaz de pautar os rumos dos nossos educadores, e os exames públicos unificados como o ENEM são capazes de nos dirigir ideologicamente para longe da reta razão e da sã doutrina católica
Brasília, 15 de Outubro de 2015 (ZENIT.org) – Dois incidentes na educação dos meus filhos, ocorridos esta semana, merecem registro, porque evidenciam o tipo de insegurança a que estamos submetidos, nós, pais católicos com filhos matriculados em escolas católicas. Trata-se não somente do fato de que é muito difícil ser coerentemente cristão num mundo tão invadido por ideologias profundamente pagãs; vai mais além. Chega até o fato de que parecemos viver uma época em que mesmo quem se declara institucionalmente cristão, e se anuncia como educador católico, já não está mais seguro, e é incapaz de demonstrar publicamente, que vê os critérios católicos, as propostas católicas para o desenvolvimento humano como, de fato, verdadeiros e adequados. Ou que é viável, economicamente, academicamente e existencialmente, defendê-los.
Com isto, declaramos, nós católicos que temos responsabilidade com a educação de jovens (pais, professores, catequistas e sacerdotes) nossa rendição ao mundo do relativismo, que, na verdade, é o mundo do pensamento único, em que aquele que não concorda com o discurso academicamente hegemônico é tachado de “fóbico” e destroçado mediante táticas de propaganda e desmoralização pública. Já não vemos o Catecismo como seriamente defensável, ou a Bíblia (devidamente lida pelos olhos da Tradição e do Magistério) como uma proposta viável de desenvolvimento humano. A esta altura, a maioria pagã que desembolsa as mensalidades nas nossas escolas católicas é capaz de pautar os rumos dos nossos educadores, e os exames públicos unificados, como o ENEM, são capazes de nos dirigir ideologicamente de uma forma tão eficaz que o mero exercício de propor uma abordagem diversa daquela considerada “correta” pela pauta acadêmica contemporânea faz com que um pai se sinta como obsoleto, ultrapassado ou mesmo como verdadeiro obstáculo anacrônico no caminho do sucesso acadêmico dos filhos e da viabilidade financeira das escolas. Nem sequer se trata de exigir a coerência entre apresentar-se como educador católico e agir catolicamente – trata-se de nem sequer ser considerado quanto à possibilidade de promover um debate sério sobre estas questões que inclua as posições católicas dentre as consideráveis.
Mencionei dois incidentes.
O primeiro deles ocorreu na semana passada. Um professor, recém-contratado pela escola, foi interpelado no meio da aula por um aluno que trazia um exemplo qualquer retirado de uma telenovela, que se relacionava com o assunto da aula de química que ele estava dando. O professor candidamente respondeu que não assistia telenovelas. Diante da curiosidade dos alunos, ele completou: sou cristão, e não concordo com a abordagem que as novelas fazem quanto a assuntos de família. Ele explicou que, quando não havia divórcio no Brasil, as novelas se esmeraram, e continuam se esmerando, para banalizar o divórcio, não simplesmente como eventual solução jurídica extrema para situações disfuncionais, mas como verdadeiro pressuposto para a felicidade e a liberdade individual, como se viver a “paixão” e o desejo sexual fossem mais importantes para a felicidade humana do que o compromisso familiar. O outro motivo, segundo ele, era o relevo que as novelas estavam dando, ultimamente, aos afetos homossexuais e às relações deles surgidas, que sempre eram apresentadas como até mesmo superiores em sinceridade, carinho e amor às famílias tradicionais, sempre vistas, nestes contextos, como disfuncionais, hipócritas, restritoras de liberdade e causadoras de infelicidade.
Esta fala deste professor – que aparentemente, inclusive, não é católico, mas evangélico – foi suficiente para causar um verdadeiro rebuliço na escola. Os jovens de ensino médio organizaram uma manifestação de “combate à homofobia” nos corredores, contra este docente. Pintaram de próprio punho pequenos arco-íris de papel que pregaram nas próprias roupas e mesmo nas dos outros professores e bedéis, e espalharam-se como um raio por toda a escola. Naquele momento, qualquer um que não se engajasse imediatamente no movimento desencadeado pelos estudantes foi duramente vaiado e rotulado de “homofóbico”, e vários pais foram vistos abraçando seus “pequenos guerreiros” e parabenizando-os pelo engajamento político contra esse “obscurantismo medieval” deste professor. Aulas foram suspensas e corredores, ocupados. Mas não se viu nenhum movimento, por parte da direção da escola, no sentido de aprofundar o debate, ou mesmo propor a sã doutrina católica sobre a correta integração da sexualidade humana na via da castidade. É como se a direção esperasse que o movimento esfriasse por si mesmo sem causar maiores prejuízos.
O que está em jogo.
É uma posição sábia? Duvido. O que está em jogo, aí, não é esta ou aquela orientação sexual, mas a própria possibilidade de propor uma abordagem à questão da família e da sexualidade que destoe dos consensos atuais – vale dizer, de sequer propor em voz alta uma visão católica quanto a estes dois temas. E esta visão católica é ultrapassada, anacrônica ou fideísta? Não, na verdade é muito bem fundamentada, não somente numa reta antropologia filosófica, como na melhor ciência psicológica e sociológica, além, é claro, das suas largas raízes históricas e bíblicas. Mas as decisões parecem ter sido tomadas, nos meios de comunicação e nas altas esferas políticas e universitárias, quanto àquilo que o Papa Francisco recentemente chamou, aqui de “colonização ideológica que visa impor a desestruturação da família”. Não devemos ter medo de debater e expor a nossa proposta católica sobre castidade, família e sexualidade. Ela não é simplesmente boa – é a única capaz de levar o ser humano à completude, à integridade, à felicidade. Mas será que os educadores católicos – professores, diretores, coordenadores, sacerdotes, catequistas, pais – ainda acreditam nisto?
O segundo incidente.
A outra situação, na mesma escola, foi o convite para que meu filho caçula (13 anos) visitasse, com a escola, certa exposição, num shopping center daqui, em que cadáveres humanos dissecados e plastificados eram apresentados em posições bizarras, como fazendo esportes ou praticando atividades cotidianas. Ora, não me parece que utilizar cadáveres como matéria-prima para esculturas “artísticas”, mesmo que a pretexto de que elas podem eventualmente ajudar estudantes a aprender mais sobre anatomia, esteja de acordo com a doutrina católica do “respeito aos mortos” e aos seus despojos. Não foi sem pretextos científicos que os estados totalitários do século XX, como os nazistas e os soviéticos, submeteram pessoas e mesmo seus cadáveres ao tratamento mais indigno que seres humanos poderiam ser submetidos. Diz o Catecismo da Igreja Católica:
2300. Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301. A autópsia dos cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou pesquisa científica. O dom gratuito de órgãos depois da morte é legítimo e até pode ser meritório.
Nenhum dos dois critérios parecem ser respeitados pela exposição “artística” de cadáveres plastificados com resina, posando como bonecos eviscerados, nos corredores de um “shopping center”. Não há, aí, nenhuma “investigação legal”, nem pesquisa científica, mas uma bilheteria para cobrar entrada à curiosidade mórbida de quem se dispõe a pagar. Nem tampouco parece haver, para com estes despojos humanos, nenhuma “misericórdia corporal” ao mantê-los insepultos para que sejam objeto de comércio através da exposição lucrativa de suas entranhas manipuladas. A escola sequer pensou nisto, ou cogitou submeter a exposição a uma crítica a partir deste ponto de vista. Simplesmente levou os jovens até lá.
O mesmo contexto ideológico nos dois casos.
O que significa isto? Parece existir o mesmo contexto ideológico aí – uma progressiva paganização na visão do corpo humano pela nossa sociedade, que chega à perda da sensibilidade à exploração comercial de cadáveres plastificados, por sobre qualquer noção de misericórdia corporal ou respeito aos mortos, ou mesmo testemunho quanto à potencialidade de ressurreição de todos os seres humanos; parece ser a mesma banalização da corporeidade humana que leva à elevação do prazer sexual como critério de felicidade absoluto, por sobre os graves deveres que envolve uma família quanto à responsabilidade recíproca, a castidade, a complementariedade corporal e à abertura à fecundidade. Num contexto em que exprimir sequer a opinião de que estas situações não são boas, aconselháveis, eticamente desejáveis ou mesmo desconformes à reta razão e à sã doutrina católica é um mero exotismo de um velho pai piedoso, ou talvez irracionalmente fóbico. Como um jovem pode leva-lo a sério, se o diretor da escola não parece lhe dar razão, ou mesmo achar que qualquer debate é necessário ou mesmo possível, e os nossos bispos e sacerdotes não parecem estar muito preocupados em orientar as escolas católicas sobre estes temas? O que adianta lutarmos tanto para que a palavra “gênero” não seja incluída no Plano Nacional de Educação, quando até mesmo as escolas católicas o adotam na prática como critério norteador, sem uma palavra do nosso Magistério?
Deixemos o velho pai católico falar. Como me disse um de meus filhos, “este seu enfoque não ajuda no ENEM”.