Conflito no Sudão do Sul: o testemunho de um missionário

2016-07-11 Rádio Vaticana – Juba (RV) – Aumenta o balanço das vítimas dos confrontos que estão ensanguentando Juba, capital do Sudão do Sul, nos dias em que o país está celebrando 5 anos de independência.

 

Os conflitos tiveram início na última quinta-feira (07/07), entre os militares fiéis ao Presidente Salva Kiir e a guarda do vice-presidente Riek Machar. Segundo o Ministério da Saúde, pelo menos 272 pessoas morreram nos últimos dias. 

O missionário comboniano Pe. Raimundo Nonato Rocha dos Santos, da Diocese de Balsas (MA), acabou de regressar ao Sudão do Sul. No último sábado, 9 de julho, dia da independência dessa nação africana, o religioso nos escreveu uma carta na qual relata o clima que se vive no país.

  Eis o documento.

Neste dia 09 de julho de 2016 comemora-se o quinto aniversário do Sudão do Sul como nação independente. O que comemorar no dia da independência? Não há o que comemorar com a situação crítica em que vive o país: centenas de milhares desabrigados por causa dos conflitos, comunidades inteiras em risco de fome, doenças que se alastram e uma economia em colapso. De fato, oficialmente não tem comemorações previstas. O governo anunciou que não tem dinheiro para as comemorações. Além disso, aconteceu mais violência nas vésperas do dia da Independência.

Desde o acordo de paz assinado em agosto do ano passado pelo Presidente Salva Kiir e pelo líder da oposição armada e agora Primeiro Vice-Presidente, Riek Machar, houve uma pequena melhora na situação geral do país porque os conflitos diminuíram. Riek Machar voltou à capital em abril e desde então se esperava mais avanços na implementação do acordo de paz e melhorias para a população. Porém, além da grave crise econômica que assola o país, surgiram novos conflitos isolados em algumas áreas do país e recentemente tem havido tensões entre as forças de segurança do Presidente, Salva Kiir, e as forças do Primeiro Vice-Presidente, Riek Machar.

Um incidente ocorrido na última quinta-feira dia 7 de julho à noite envolvendo forças de segurança dos dois lados na capital Juba deixou pelos menos cinco soldados do governo mortos. Antes disso, um oficial de segurança da oposição foi assassinado à luz do dia em Juba. As tensões só aumentaram. Preocupados com essa situação, nessa sexta-feira à tarde, dia 8 de julho, véspera do dia da Independência, o Presidente Kiir, com o Primeiro Vice Presidente Machar, e o Vice Presidente Wani, se reuniram no Palácio Presidencial para discutir o incidente envolvendo as tropas de ambos os lados e procurar melhorar as relações.

Por volta das 05h20 da tarde de sexta-feira, dia 8, um intenso tiroteio entre as duas forças de segurança começou nas proximidades do Palácio Presidencial onde acontecia a reunião entre os líderes políticos, que mais tarde informaram que não sabiam o que estava acontecendo do lado de fora.

O Palácio Presidencial fica a uns 600 metros da Casa Provincial dos Missionários Combonianos em Juba, onde moro. Por cerca de uma hora acompanhamos o intenso tiroteio sem saber ao certo o que acontecia.

O tiroteio rapidamente se espalhou por outras partes da capital criando pânico. Helicópteros armados foram vistos sobrevoando a área. Muitos soldados e tanques pelas ruas.

O Presidente e os dois Vices continuaram no interior do Palácio Presidencial enquanto suas forças de segurança se engajavam em luta armada. Por volta das 07:00 da noite os líderes políticos deram entrevista lamentando a violência e dizendo não saberem ao certo o que fez começar o tiroteio do lado de fora do Palácio Presidencial. Os três pediram calma à população e o fim dos ataques.

Aparentemente a situação foi controlada. A noite foi ‘tranquila’ nas proximidades da nossa residência e do Palácio Presidencial. Muitos soldados se movimentam, mas não há conflitos. Uma comissão foi organizada para investigar as causas da violência. Acredita-se que poderá haver ligações com o incidente da última quinta-feira em que soldados do governo foram mortos. Vingança, sobretudo entre indivíduos pertencentes a algumas das tribos, tem sido uma constante nos conflitos.

As primeiras informações desta manhã de sábado são de que pelo menos 30 agentes de segurança do Primeiro Vice-Presidente, Riek Machar, e 80 seguranças do Presidente Salva Kiir, foram mortos nas proximidades do Palácio Presidencial. Acredita-se que mais pessoas, inclusive civis, tenham morrido durante o tiroteio que também aconteceu nas proximidades dos campos de proteção de civis da ONU.

A situação no momento é calma. É feriado público por ser o dia da Independência. Lojas estão fechadas e há pouco movimento nas ruas, também devido à violência de ontem à noite. Não há grandes movimentos no aeroporto, que fica a menos de um quilómetro de nossa casa, pelo menos não se ouve barulho de aviões.

Quanto a nós missionários em Juba e em missões espalhadas pelo resto do país, estamos bem. Embora próximos do local onde começou o tiroteio, não fomos afetados em nada. Mantemo-nos em casa e com portões fechados e restrição de movimento enquanto monitoramos a situação que está sob controle.  Esperamos que a situação melhore e a calma e paz sejam reestabelecidas.

Também lamentamos mais essa triste violência que fez com que pelo menos mais 110 esposas amanhecessem viúvas e muitas crianças sem o pai. Os soldados também são nossos irmãos e vítimas dessa insana violência que continua a ceifar vidas e a destruir o Sudão do Sul. Rezemos por paz duradoura e por sabedoria divina para os nossos líderes. Rezem por nós.

Um abraço a todos

Pe. Raimundo Rocha, mccj

 (from Vatican Radio)

 

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