Artigo: O Sínodo e a Família

2015-10-22 Rádio Vaticana – Rio de Janeiro (RV*) – Estamos na última semana da XIV Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, que está ocorrendo entre os dias 4 e 25 de outubro de 2015, com o tema: “A vocação e a missão da família na igreja e no mundo contemporâneo”.

 

O tema “família” há muito tem sido aprofundado pela Igreja. Recordamos com carinho das palavras proféticas do Papa São João Paulo II: “o futuro da humanidade passa pela família”. Estamos em um momento histórico para o destino da humanidade e a grande questão tem sido a família. As discussões são enormes e apaixonadas. Mesmo no interior da Igreja se sente a tensão de ideias e ideologias.

Encontramos nas Escrituras Sagradas as orientações claras sobre a vida conjugal e a família. Depois vêm as discussões históricas e a Palavra de Jesus restaurando o plano de Deus.

Durante um mês, em 1980, tivemos a V Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Família: “A Missão da Família no mundo contemporâneo”. Depois de um ano, a 22 de novembro de 1981, o Papa João Paulo II publicou o documento pós-sinodal “Familiaris Consortio” como resultado dessas discussões.

Nesse documento o Papa assim inicia: “A Família nos tempos de hoje, tanto e talvez mais que outras instituições, tem sido posta em questão pelas amplas, profundas e rápidas transformações da sociedade e da cultura. Muitas famílias vivem essa situação na fidelidade àqueles valores que constituem o fundamento do instituto familiar. Outras tornaram-se incertas e perdidas frente a seus deveres ou, ainda mais, duvidosas e quase esquecidas do significado último e da verdade da vida conjugal e familiar. Outras, por fim, estão impedidas por variadas situações de injustiça de realizarem os seus direitos fundamentais.”

“Consciente de que o matrimônio e a família constituem um dos bens mais preciosos da humanidade, a Igreja quer fazer chegar a sua voz e oferecer a sua ajuda a quem, conhecendo já o valor do matrimônio e da família, procura vivê-lo fielmente; a quem, incerto e ansioso, anda à procura da verdade, e a quem está impedido de viver livremente o próprio projeto familiar.” “Sustentando os primeiros, iluminando os segundos e ajudando os outros, a Igreja oferece o seu serviço a cada homem interessado nos caminhos do matrimônio e da família”.

Estamos comemorando neste ano os 50 anos da Instituição do Sínodo dos Bispos pelo Papa Paulo VI, e já estamos na XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, fora as três Assembleias Extraordinárias e as outras referentes a sínodos de regiões continentais.

É significativo que, logo depois da eleição para a Sé de Pedro, o Papa Francisco, ao ser perguntado sobre o tema para o Sínodo dos Bispos, tenha escolhido justamente o tema “família”. Isso representa a preocupação da Igreja com o momento atual em que, se de um lado procura encontrar meios para anunciar a vida em família como cristãos, ao mesmo tempo busca estar presente diante de tantas situações de dores que passam as pessoas em suas realidades familiares, assim como diante de vários modelos familiares que hoje se debatem na sociedade.

Para esse tema tivemos um aprofundamento gradual: o primeiro foi em fevereiro de 2014 durante o Consistório, quando o Cardeal Kasper expôs o tema ao Colégio Cardinalício e houve um belo aprofundamento do tema com as intervenções dos Cardeais.

Depois houve a convocação da III Assembleia Geral Extraordinária, que ocorreu em outubro de 2014 sobre o tema: “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da Evangelização”. Esse tema foi estudado por todas as Dioceses do mundo e depois, ao abrir a Assembleia Extraordinária, foi feito o relatório para o sínodo sobre as contribuições do mundo. Depois de 2 semanas de trabalhos, essa assembleia produziu um texto com propostas que foram votadas e apresentadas ao Santo Padre, que as mandou publicar e que servissem para o debate para o Sínodo do ano seguinte.

Esse texto foi enviado com perguntas, como sempre acontece, para todas as Dioceses do Mundo, que depois foi resumido no relatório na abertura deste Sínodo que agora está chegando ao seu final: a XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos com o tema: “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”.

Um dos assuntos que chamou a atenção no ano passado foi a demora e os custos dos processos da nulidade matrimonial. O Papa Francisco constituiu uma comissão que examinou a questão e contribuiu para que encontrasse caminhos canônicos. Esse processo resultou na Carta Apostólica em forma de “Motu Proprio”, “Mitis Iudex Dominus Iesus” (O Senhor Jesus, manso Juiz), para a Igreja latina sobre a “reforma do processo canônico para as causas de declaração de nulidade do matrimônio no Código de Direito Canônico”. Foi feita outra para a Igreja Oriental, que possui Código Canônico próprio. Dessa forma ficou resolvida essa questão. Caberia agora ao Sínodo examinar outras questões sobre a vida e missão da família.

A inauguração do Sínodo sobre a Família foi feita pelo Papa Francisco no domingo, dia 4, com uma missa solene na Basílica de São Pedro, e nessa homilia ele refletiu a respeito de três aspectos: o drama da solidão, o amor entre homem-mulher e a família.

Segundo o Papa: “a solidão, o drama que ainda hoje aflige muitos homens e mulheres. Penso nos idosos abandonados até pelos seus entes queridos e pelos próprios filhos; nos viúvos e nas viúvas; em tantos homens e mulheres deixados pela sua esposa ou pelo seu marido; em muitas pessoas que se sentem realmente sozinhas, não compreendidas nem escutadas; nos migrantes e prófugos que escapam de guerras e perseguições, e em tantos jovens vítimas da cultura do consumismo, do “usa e joga fora”, e da cultura do descarte. “Hoje vive-se o paradoxo dum mundo globalizado, onde vemos tantas habitações de luxo e arranha-céus, mas o calor da casa e da família é cada vez menor; muitos projetos ambiciosos, mas pouco tempo para viver aquilo que foi realizado; muitos meios sofisticados de diversão, mas há um vazio cada vez mais profundo no coração; tantos prazeres, mas pouco amor; tanta liberdade, mas pouca autonomia…” “Aumenta cada vez mais o número das pessoas que se sentem sozinhas, e também daquelas que se fecham no egoísmo, na melancolia, na violência destrutiva e na escravidão do prazer e do deus-dinheiro”.

O amor entre homem e mulher – “Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele” (Gn 2, 18). Estas palavras demonstram que nada torna tão feliz o coração do homem como um coração que lhe seja semelhante, lhe corresponda, o ame e o tire da solidão e de sentir-se só. Demonstram também que Deus não criou o ser humano para viver na tristeza ou para estar sozinho, mas para a felicidade, para partilhar o seu caminho com outra pessoa que lhe seja complementar; para viver a experiência maravilhosa do amor, isto é, amar e ser amado; e para ver o seu amor fecundo nos filhos, como diz o salmo que foi proclamado hoje (cf. Sl 128).

A família – “Pois bem. O que Deus uniu não o separe o homem” (Mc 10, 9). É uma exortação aos crentes para superar toda a forma de individualismo e de legalismo, que se esconde num egoísmo mesquinho e no medo de aderir ao significado autêntico do casal e da sexualidade humana no projeto de Deus. “Neste contexto social e matrimonial bastante difícil, a Igreja é chamada a viver a sua missão na fidelidade, na verdade e na caridade. A Igreja é chamada a viver a sua missão na fidelidade ao seu Mestre como voz que grita no deserto, para defender o amor fiel e encorajar as inúmeras famílias que vivem o seu matrimônio como um espaço onde se manifesta o amor divino; para defender a sacralidade da vida, de toda a vida; para defender a unidade e a indissolubilidade do vínculo conjugal como sinal da graça de Deus e da capacidade que o homem tem de amar seriamente”.

No dia 6 de outubro, o Padre Federico Lombardi, Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, num encontro com os jornalistas informou que o Papa Francisco interveio brevemente na Assembleia Sinodal na sessão matinal daquela terça-feira, para afirmar que este Sínodo é uma continuidade em relação àquele que decorreu em 2014, durante o qual a doutrina católica sobre o matrimônio não foi modificada.

O Santo Padre evidenciou também os três documentos oficiais: a Relatio Synodi e os dois discursos pontifícios de abertura e de encerramento dos trabalhos. Um convite do Papa aos padres sinodais para não se deixarem confundir por comentários externos ao Sínodo. Vamos refletir um excerto das declarações do Padre Lombardi:

“Não nos devemos deixar condicionar e reduzir o nosso horizonte de trabalho neste Sínodo, como se o único problema fosse aquele da comunhão aos divorciados e recasados ou não. Portanto, ter presente a amplitude dos problemas e as questões que são propostas à Assembleia Sinodal, da qual o Instrumentum Laboris dá uma ampla perspectiva”.

Depois desses momentos iniciais, os temas foram livremente debatidos e o Papa salientou a importância da consulta do povo de Deus, porém, o Sínodo é sempre com Pedro e sob Pedro, deixando assim claro toda a questão sobre a doutrina da Igreja sobre o matrimônio.

No Domingo das Missões, dia 18 de outubro último, o Papa Francisco canonizou, entre outros, o casal Luís Martin e Maria Zélia Guérin, pais de Santa Teresinha. O Papa assim se referiu a eles em sua homilia: “Os santos esposos Luís Martin e Maria Zélia Guérin viveram o serviço cristão na família, construindo dia após dia um ambiente cheio de fé e amor; e, neste clima, germinaram as vocações das filhas, nomeadamente a de Santa Teresinha do Menino Jesus”. Ele, assim propôs o casal cristão chamado à santidade, como caminho para as situações atuais.

Neste Sínodo, com uma nova metodologia mais participativa, pois além das intervenções pessoais houve muito mais tempo para os “grupos de reflexão” ou “círculos menores”, os assuntos foram amplamente debatidos, inclusive os mais difíceis e polêmicos. A conclusão de um sínodo normalmente é a votação das proposições que servirão depois para a elaboração de um documento pós-sinodal sobre o tema. A importância do sínodo tem sido a de aprofundar os temas todos e debate-los livremente. Porém, como bem lembrou o Papa Francisco no seu discurso na comemoração dos 50 anos da Instituição do Sínodo: Sínodo, que é caminhar junto, supõe consultas, debates, escuta dos fiéis, porém agindo sempre “cum Petro e sub Petro” como “garantia da unidade”.

Agora que o Sínodo chega ao seu final (teremos a missa de encerramento neste domingo, dia 25 de outubro) com várias propostas, uma das quais é de delegar a uma comissão especializada as questões mais complexas, e entregando ao Papa as proposições que ajudarão a compor um documento pós-sinodal, somos chamados a olhar para frente e para a nossa responsabilidade. O sínodo suscitou muitas questões com relação à vida matrimonial, tanto na preocupação de uma séria preparação como também para ir ao encontro de tantos ferimentos por que a família passa, e que supõe uma presença da Igreja para acompanhar. A certeza de que a Igreja não esquece nenhum de seus filhos e procura, ao mesmo tempo, ser fiel ao Evangelho e também preocupada em ir ao encontro das famílias em todas as circunstâncias, ficou muito clara durante estas três semanas do Sínodo.

Por isso, com esse sínodo queremos estar unidos com toda a Igreja que caminha no mundo inteiro. Rezemos pelos resultados para que as proposições votadas possam iluminar ainda mais esse belo projeto de Deus na história da humanidade, que é a família, pois, rezamos pelas famílias e rezamos em família. Para nós é importante aprender, de todas essas discussões, a necessidade de estar atentos aos sinais dos tempos e acolher as iluminações do Espírito Santo para que possamos encontrar os caminhos para, como Igreja, nos colocarmos a serviço dos irmãos e irmãs de nosso tempo. Somos chamados a anunciar o Evangelho da alegria e da vida como Igreja samaritana que chega a todas as periferias existenciais, “primeireando” soluções nesta mudança de época. Eis o nosso grande desafio!

Aproveitando este mês do Rosário, que está chegando ao seu final, quando somos convidados a revitalizar a oração do mesmo, recordemos a famosa frase: “a família que reza unida, permanece unida”.

*Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

(from Vatican Radio)

 

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