A perda do cônjuge nos deixa nu e indefeso

Quando Deus escreve o nome de uma pessoa em seu coração, dá-lhe a capacidade de vê-lo com seus próprios olhos: você se apaixona e ele se torna “único”

Roma, 27 de Agosto de 2015 (ZENIT.org) – Quando eu soube que Marcos, marido de Beatriz, tinha partido para a casa do Pai, eu senti uma pontada no coração. Depois de tantos anos, duas coisas de Beatriz ficaram marcadas em minha memória: o sorriso e a capacidade de amar.

Bonita, inteligente, olhos azuis que refletem espontaneidade, alegre e ‘auto irônica’. Muitas risadas!

E agora?

Onde estará escondido o desejo de sorrir de Beatriz, agora que o amor de sua vida concluiu sua passagem pela terra, deixando uma esposa enamorada?

Na ponta dos pés, eu escrevo a ela.

“Querida Beatriz, soube agora que Marcos chegou primeiro ao paraíso. Eu não sei quantas lágrimas você está derramando, mas a imagino com uma dor profunda e não desejo escrever palavras bonitas. Eu não as encontraria. Mas um abraço eu desejo dar-te. Nós todos chegaremos, mais cedo ou mais tarde, à partida final. Àquela que jogamos pela questão fundamental: é verdade que nascemos e não morreremos? Busque esta pergunta no abraço de alguém, eu acho que vai ajudá-la a tirar a resposta das prateleiras da filosofia e da teologia e colocá-la onde deve estar: em nossa mesa, no decorrer da nossa vida concreta, nos fatos que nos abatem fazendo com que a nossa alma reaja. Beatriz querida, que Deus abençoe a sua alma, para que você perceba enfim que estão cobertos de vida: você e o Marcos. Que o Senhor do universo abra os olhos do seu coração, fazendo-a enxergar a proximidade invisível daquele que a vida lhe deu como marido.  Você estará repleta de felicidade, quando, um dia, o abraçar novamente e vocês dois dirão a Deus: “Obrigado pelas vidas que nasceram do nosso amor e por tudo o que construímos juntos… “

Na mesma noite, Beatriz me respondeu com uma “dolorosa sabedoria”, em poucas e sinceras palavras.

“Cristina, estou passando por um período de sofrimento. Eu pensei que estava preparada para a separação porque ele tentou durante sua doença, preparar-me em todos os sentidos. Ele me dizia: “Beatriz, este é o momento certo, não quero morrer velho e decrépito, eu não quero sentir o meu corpo perder as forças, eu devo apenas agradecer pela vida que tive, eu fui um homem de sorte. Basta pensar nos filhos e netos que nasceram saudáveis. Eu estou em paz e sereno”. Este discurso foi repetido e repetido muitas vezes, quando ele me tomava pela mão e íamos caminhar, quando eu cuidava dele com todo o meu amor e quando, com um cálculo muito preciso de médico que era, ele disse: “agora chega, eu cheguei”.

Foi então que me perguntou: “Você acha que vamos nos encontrar de novo?”

“Eu acho que sim”

“Então eu vou esperar.”

Eu acreditei que toda essa serenidade, que sempre me acompanhou por cinquenta anos, ainda me acompanharia. Ao invés, estou raciocinando com dor em meio à escuridão, com um choro que, enquanto escrevo, obscurece a visão. Digo a mim mesma que há mães que sofrem dores mais difíceis, digo a mim mesma que compartilhei a vida com um homem bom, digo a mim mesma que deveria apenas dizer obrigada. Penso, penso… mas Cristina, eu estou muito mal, eu sinto muito, e hoje eu realmente preciso de você… “

Não há nada a fazer. Quando Deus escreve o nome de uma pessoa em seu coração, dá-lhe a capacidade de vê-lo com seus próprios olhos. Então, você se apaixona e ele se torna “único”.

Desde então, o termo “temporário” foi cancelado do seu vocabulário interior e a graça do “para sempre” entrou em sua alma, com o “nós”.

Nós nos amamos.

Nós vamos casar.

Nós vamos ter filhos.

Nós vamos envelhecer juntos.

Lentamente, as nossas raízes se tornam tão interligadas que é impossível separar até mesmo um pensamento.

Então, inevitavelmente, chegará …

Cara Beatriz, assim que puder, enxugue os olhos e veja bem: há mais para se amparar. Seu amor não desapareceu no ar, porque foi sigilado “além”.

Lentamente Deus livrará o seu futuro das garras do desespero e o colorirá com a fé no abraço eterno que espera por você.

E não pense que Deus não está agindo só porque você se sente vazia, chateada, desesperada e irreparavelmente quebrada.

Não julgue você mesma, mesmo quando sentir inveja (sentimento que não é seu) por ver casais que ainda estão juntos; se perdoe, não acrescente dor à dor.

Não se julgue como uma mulher de pouca fé ao pensar no céu com uma boa dose de dúvida; faz parte do jogo.

Ao se deparar com a morte, precisamos de compaixão por nós mesmos. Estamos lutando e sofrendo para chegar ao cume, mas é de lá que veremos o panorama completo do sentido da vida.

Perto do céu, num piscar de olhos, poderemos ver o passado, o presente e as colinas do futuro que se aproximam. E a partir daí descobriremos que tudo fez sentido.

O primeiro beijo que você deu no Marcos teve a torcida do céu!

Cada risada, cada dificuldade superada, cada perdão dado … tudo foi protegido pelo céu, porque vocês são a pérola preciosa querida por Deus.

“Vocês” são a pérola preciosa, para sempre.

“Com tudo isso, aos olhos do Senhor, nem o homem existe sem a mulher, nem a mulher sem o homem. Pois a mulher foi tirada do homem, porém o homem nasce da mulher, e ambos vêm de Deus”. (1 Cor 11,11-12).

 

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