A obra-prima

Francisco indicou o homem e a mulher como ápice da criação

Deus conserva e protege com ternura a sua «obra-prima», o homem e a mulher, criados para dar vida a «uma aliança» de comunhão e de plenitude, recordou o Papa na audiência geral de quarta-feira 22 de abril na praça de São Pedro. Dando continuidade à catequese sobre a narração da criação do ser humano, Francisco ressaltou que a mulher não é uma “réplica” do homem, mas «deriva directamente do gesto criador de Deus».

 

Prezados irmãos e irmãs!

Na precedente catequese sobre a família, meditei sobre a primeira narração da criação do ser humano, no primeiro capítulo do Génesis, onde está escrito: «Deus criou o homem à sua imagem, à sua imagem Deus criou-os; criou-os varão e mulher» (I, 27).

Hoje gostaria de completar a reflexão com a segunda narração, que encontramos no capítulo 2. Ali lemos que o Senhor, depois de ter criado o céu e a terra, «plasmou, pois, o homem do barro da terra, soprou nas suas narinas o fôlego da vida, e o homem tornou-se um ser vivo» (2, 7). É o ápice da criação. Mas falta algo: em seguida, Deus coloca o homem num lindo jardim, para que o cultive e preserve (cf. 2, 15).

O Espírito Santo, que inspirou a Bíblia inteira, sugere por um momento a imagem do homem só – falta-lhe algo – sem a mulher. E sugere o pensamento de Deus, quase o sentimento de Deus que o vê, que observa Adão sozinho no jardim: é livre, é senhor… mas está sozinho. E Deus vê que isto «não é bom»: é como uma falta de comunhão, falta-lhe uma comunhão, há uma falta de plenitude. «Não é bom» – diz Deus – e acrescenta: «quero oferecer-lhe uma ajuda que lhe seja adequada» (2, 18).

Então, Deus apresenta ao homem todos os animais; o homem dá um nome a cada um deles – e esta é outra imagem do senhorio do homem sobre a criação – mas em nenhum animal encontra alguém semelhante a si mesmo. O homem continua sozinho. Quando, finalmente, Deus apresenta a mulher, o homem reconhece exultante que aquela criatura – e somente aquela – faz parte dele: «osso dos meus ossos, carne da minha carne» (2, 23). Finalmente há um reflexo, uma reciprocidade. Quando uma pessoa – trata-se de um exemplo para compreender bem isto – quer dar a mão à outra, deve tê-la diante de si: se alguém dá a mão, mas não há ninguém à sua frente, a mão permanece ali… falta-lhe a reciprocidade. Assim era o homem, pois faltava-lhe algo para alcançar a sua plenitude, faltava-lhe a reciprocidade. A mulher não é uma «réplica» do homem; ela deriva directamente do gesto criador de Deus. A imagem da «costela» não exprime de modo algum uma inferioridade ou subordinação mas, pelo contrário, que o homem e a mulher são da mesma substância, são complementares, e que também possuem esta reciprocidade. E a constatação de que – ainda na parábola – Deus plasma a mulher enquanto o homem dorme ressalta precisamente que ela não é de modo algum uma criatura do homem, mas de Deus. E sugere também algo mais: para encontrar a mulher – e, podemos dizer, para encontrar o amor na mulher – o homem deve primeiro sonhá-la e depois encontrá-la.

A confiança que Deus tem no homem e na mulher, aos quais confia a terra, é generosa, directa e completa. Confia neles. No entanto, eis que o maligno introduz na sua mente a suspeita, a incredulidade e a desconfiança. Enfim, chega à desobediência ao mandamento que os salvaguardava. Eles caem naquele delírio de omnipotência que polui tudo e destrói a harmonia. Também nós o sentimos dentro de nós muitas vezes, todos!

O pecado gera desconfiança e divisão entre o homem e a mulher. A sua relação será ameaçada por mil formas de prevaricação e de subjugação, de sedução enganadora e de prepotência humilhante, até às mais dramáticas e violentas. A história tem em si os vestígios disto. Pensemos, por exemplo, nos excessos negativos das culturas patriarcais. Pensemos nas múltiplas formas de machismo, quando a mulher era considerada de segunda classe. Pensemos na instrumentalização e comercialização do corpo feminino na cultura mediática contemporânea. Mas pensemos inclusive na recente epidemia de desconfiança, de cepticismo e até de hostilidade, que se propaga na nossa cultura – de maneira particular, a partir de uma compreensível desconfiança das mulheres – a propósito de uma aliança entre o homem e a mulher, que seja capaz de aperfeiçoar a intimidade da comunhão e, ao mesmo tempo, de salvaguardar a dignidade da diferença.

Se não encontrarmos um sobressalto de simpatia por esta aliança, capaz de proteger as novas gerações contra a desconfiança e a indiferença, os filhos virão ao mundo cada vez mais desenraizados da mesma, desde o ventre materno. A desvalorização social da aliança estável e generativa do homem e da mulher é sem dúvida uma perda para todos. Devemos restituir a honra ao matrimónio e à família! A Bíblia diz algo muito bonito: o homem encontra a mulher; eles encontram-se e o homem deve deixar algo para a encontrar plenamente. Por isso o homem deixará o seu pai e a sua mãe para ir ao encontro da mulher. É bonito! Isto significa começar a percorrer um novo caminho. O homem é todo para a mulher, e a mulher é inteiramente para o homem.

Por conseguinte, a preservação desta aliança entre o homem e a mulher, embora sejam pecadores e feridos, estejam confundidos e humilhados, desanimados e incertos, é para nós crentes uma vocação exigente e cheia de paixão nas condições de hoje. A mesma narração da criação e do pecado, na sua conclusão, confia-nos um ícone muito bonito: «O Senhor Deus fez vestes de pele para Adão e para a sua mulher, e vestiu-os» (Gn 3, 21). Trata-se de uma imagem de ternura em relação àquele casal de pecadores, que nos deixa boquiabertos: a ternura de Deus pelo homem e pela mulher! É uma imagem de guarda paternal do casal humano. É o próprio Deus quem cuida e salvaguarda a sua obra-prima!

A relação dos homens com a natureza «não seja orientada pela avidez, pela manipulação e pela exploração, mas conserve a harmonia divina entre as criaturas e a criação». Foi este o apelo lançado pelo Papa por ocasião do Dia da Terra. «Exorto todos – disse saudando os fiéis na praça de São Pedro – a ver o mundo com os olhos de Deus Criador».

Dirijo uma cordial saudação a todos os peregrinos de língua portuguesa, particularmente aos fiéis vindos de Portugal, da Suíça e do Brasil. Rezai por todas as famílias, especialmente aquelas que passam por dificuldades, na certeza de que as famílias são um dom de Deus e o fundamento da vida social. Que Deus vos abençoe!

Hoje celebra-se o Dia da Terra. Exorto todos a ver o mundo com os olhos de Deus Criador: a terra é o meio ambiente que deve ser preservado, o jardim que há-de ser cultivado. A relação dos homens com a natureza não seja orientada pela avidez, pela manipulação e pela exploração, mas conserve a harmonia divina entre as criaturas e a criação, na lógica do respeito e da preservação, para a colocar ao serviço dos irmãos, inclusive das gerações vindouras.

Dirijo um pensamento particular aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. Aprendei da Virgem Maria a viver este Tempo pascal, concedendo espaço à escuta da Palavra de Deus e à prática da caridade, vivendo com alegria a pertença à Igreja, que é a família dos discípulos de Cristo Ressuscitado.

L’Osservatore Romano, 23 de abril de 2015                                                     

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