A Família no centro das atenções – 10. A beleza e a força do “sentir da fé”

10. A beleza e a força do “sentir da fé”

 

No encerramento da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos o Papa Francisco pronunciou um discurso, no qual, com uma maneira muito serena mas realista, partilhou o seu olhar sobre o caminho realizado, chamando a atenção para várias coisas, entre as quais destacou algumas tentações que marcaram presença ao longo dos trabalhos.

Agora, em que de novo somos todos convocados a participar directamente na reflexão respondendo a outro conjunto de questões, a partir das quais será elaborado o documento de trabalho para a próxima Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos sobre a vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo, parece-me ser da maior importância termos bem presentes essas tentações, uma vez que, e disso não tenho a menor dúvida, elas voltarão a fazer-se sentir.

A tentação do endurecimento hostil, ou seja, o desejo de se fechar dentro daquilo que está escrito -a letra-, e dentro daquilo que já conhecemos, sem nos deixarmos surpreender pelo Deus das surpresas.

A tentação da bonacheirice destrutiva, que em nome de uma misericórdia enganadora liga as feridas sem antes as curar e medicar, que trata os sintomas e não as causas nem as raízes.

A tentação de transformar a pedra em pão, para tentar responder mais facilmente às situações difíceis e dolorosas em que as pessoas se encontram; ou a tentação de transformar o pão em pedra, lançando-a contra os pecadores, os frágeis e os doentes, de modo a que estes vejam com clareza a situação em que se encontram, mas tornando este pão um fardo insuportável.

A tentação de descer da cruz, para ir ao encontro das massas e das modas e não permanecer nela, de modo a cumprir a vontade do Pai, que quer com o seu amor, e com a sua proposta levar o mundo e a humanidade ao seu destino de plenitude.

A tentação de descuidar o depósito da fé, do qual somos guardiões e não proprietários e o qual deve ser para todos critério de discernimento, reflexão e acção.

Finalmente, a tentação de descuidar a realidade, não a tendo presente com tudo o que ela tem de interpelante, utilizando na sua análise e nas respostas às suas interpelações uma linguagem que recorre a uma terminologia muito minuciosa e de difícil compreensão, correndo o risco de parecer dizer muitas coisas, sem, no entanto, dizer nada que seja verdadeiramente compreendido.

Com a linguagem a que já nos vem habituando, o papa Francisco, no fundo, chama atenção para as duas posições extremadas que facilmente surgem, apresentando-se como a única possibilidade de reflexão, de resposta e de solução a adotar, neste caminho que todos, em conjunto, somos chamados a percorrer. É a tentação do tudo ou nada, que se insinua das mais diversas maneiras e, quase sempre, tentando fazer sentir culpado quem não assume essa atitude.

O convite que nos está a ser feito, através da chamada de atenção para estas tentações, não é, de modo nenhum, um convite a optar pelas meias verdades e pelos meios caminhos, com a falsa ilusão de que assim chegaremos a um número maior de pessoas. Pelo contrário, a proposta passa por nos deixarmos conduzir pela fidelidade ao projecto de Deus, que nunca desiste da humanidade, por mais difíceis que sejam as situações e os tempos.

Não podemos tornar a mensagem mais ‘light’, ou mais ‘soft’, uma mensagem ‘faz de conta’ para agradar; mas não podemos igualmente utilizá-la como ‘arma de arremesso’, com a qual acabamos por apagar a chama que fumega. Entre estes posicionamentos, tão opostos nas propostas que fazem, mas não tão afastados na falta de diálogo e empenho em se deixar interpelar pelos ‘sinais dos tempos’, encontra-se o caminho a percorrer, exigindo, no meu entender, ainda mais fidelidade, coragem e ousadia. Não se trata, pois, de optar pelo que é mais fácil.

Quando a Igreja, continua o Papa a dizer neste discurso, na variedade dos seus carismas, se exprime em comunhão, não pode errar: é a beleza e a força do sensus fidei, daquele sentido sobrenatural da fé, que é conferido pelo Espírito Santo a fim de que, juntos, possamos todos entrar no âmago do Evangelho e aprender a seguir Jesus. A beleza, a força, a coragem, atrevo-me eu a acrescentar, do sentir da fé de todos os cristãos é o caminho apontado, que todos juntos, em família, como família, temos de percorrer sempre e, a partir de agora, de uma maneira mais intensa e comprometida.

As tentações far-se-ão, de novo, sentir, mas não nos devem assustar, nem desconcertar e menos ainda desanimar. O que devemos ter sempre bem presente diante dos nossos olhos, como chave do nosso pensar e agir, é o bem que Deus quer para a humanidade. Esse é também o bem da Igreja. Confesso que não sou capaz de compreender aquelas reflexões que apresentam estes ‘bens’ como sendo distintos e podendo estar em conflito.

                           

Por Juan Ambrósio, publicado em Jornal da Família, Janeiro de 2015

 

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