A encíclica de Francisco diz não à ideologia de gênero

Em continuidade com o magistério precedente, o texto destaca a necessidade de uma ecologia humana que respeite as diferenças sexuais.

Roma, 19 de Junho de 2015 (ZENIT.org)

Que o papa Francisco está bem atento às questões relacionadas com as raízes biológicas e antropológicas do homem, já era claro faz tempo. Em várias ocasiões durante as últimas semanas, o papa recordou a necessidade de salvaguardar a complementaridade entre homem e mulher, chamando-a de “vértice da criação de Deus”.

Esta sensibilidade do papa se refletiu também na encíclica “Laudato sì”. Numa passagem crucial do texto, ele destaca que “não se pode propor uma relação com o ambiente que prescinda da relação com as outras pessoas e com Deus”. Tal atitude, avisa Francisco, evitando qualquer equívoco ambientalista, não passaria de “individualismo romântico disfarçado de beleza ecológica e um sufocante fechar-se na imanência”. Em suma, o respeito pelo homem precede e antecipa o respeito pelo meio ambiente.

Já na catequese de 5 de junho de 2013, Dia Mundial do Meio Ambiente, o Santo Padre salientou que “cultivar e salvaguardar” são conceitos que não compreendem apenas “a relação entre nós e o meio ambiente, entre o homem e a criação”, mas envolvem “também as relações humanas”. Daí a necessidade, sentida por Francisco, de redescobrir uma “ecologia humana”, termo usado pela primeira vez por São João Paulo II na “Centesimus Annus”. O papa polonês observou que, “para além da destruição irracional do ambiente natural, deve-se lembrar a destruição ainda mais grave do ambiente humano, que está longe de receber a atenção necessária”.

A ligação entre aquele aviso da “Centesimus Annus” e as solicitações do papa Francisco está no discurso que Bento XVI pronunciou no Bundestag, o parlamento federal alemão, em setembro de 2011. “O homem também tem uma natureza que ele deve respeitar e que não pode manipular à vontade. O homem não é apenas uma liberdade que ele cria para si mesmo. O homem não cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando ele respeita a natureza, a escuta e aceita a si mesmo como aquilo que é e que não foi ele quem criou”.

Quando o homem pretende governar a natureza para esvaziá-la de significado e substituir a Deus, a sua vontade assume contornos que não são justos, mas soberbos, evocando o mito de Prometeu, que rouba de Zeus o fogo e decreta assim a própria condenação. É nesta perspectiva que se coloca a redefinição do sexo com bases meramente culturais: o homem que se arvora como Deus se arroga a ilusão de controlar até a própria identidade sexual, de torná-la um elemento líquido em que as diferenças se confundem e se dissolvem.

Nasce assim a ideologia de gênero, que, na audiência geral de 15 de abril, o papa Francisco perguntou se “não é uma expressão de frustração e resignação, que visa apagar a diferença sexual porque não sabe mais lidar com ela”. O papa observou ainda que a remoção da diferença é “o problema, não a solução”.

O assunto foi retomado dois meses depois, em 8 de junho. Recebendo os bispos de Porto Rico em visita ad limina ao Vaticano, o papa explicou que “as diferenças entre homens e mulheres não são para contraposição ou subordinação, mas para comunhão e geração, sempre à imagem e semelhança de Deus”. Daí o apelo do papa aos bispos da Estônia e da Letônia, dois dias depois, a “promoverem a família como dom de Deus para a realização do homem e da mulher criados à sua imagem e como célula fundamental da sociedade”.

No domingo seguinte, abrindo o Congresso Eclesial da Diocese de Roma, Francisco se dirigiu às famílias incentivando-as a enfrentar a batalha contra a “colonização ideológica” sub-repticiamente introduzida nas escolas italianas e “que envenena a alma e a família”.

Esse veneno, que mina as bases biológicas e antropológicas do homem, é mais prejudicial que o veneno que se dissolve nos oceanos ou que penetra nas raízes de árvores seculares: ele pode corroer até demolir a humanidade, porque mata a propensão ao encontro entre homem e mulher como ocasião e condição essencial para a reprodução da espécie humana.

No terceiro capítulo, “Ecologia da vida cotidiana”, nº 155, a encíclica “Laudato sì” aborda com muita clareza a ideologia de gênero, mesmo sem nunca mencioná-la explicitamente. “A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como um dom do Pai e como casa comum; já uma lógica de domínio sobre o próprio corpo se torna uma lógica às vezes sutil de domínio sobre a criação”.

Portanto, “aprender a acolher o próprio corpo, cuidar dele e respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana”. E “também apreciar o próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade é necessário para se reconhecer no encontro com o outro diferente. Desta forma, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus Criador, e enriquecer uns aos outros”. Assim, conclui com palavras inequívocas, “não é sadia uma atitude que pretenda ‘apagar a diferença sexual por não saber mais lidar com ela’”.

Esta passagem da encíclica traça uma clara linha de continuidade entre os três últimos papas no tocante à “ecologia do homem”.

 

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