A boa educação

Na audiência geral o Pontífice falou sobre a família e propôs de novo as palavras-chave da vida em comum

«Com licença», «obrigado», «desculpa». As «três palavras-chave da família» foram propostas novamente por Francisco aos fiéis que participaram na audiência geral de quarta-feira 13 de Maio na praça de São Pedro. São «as palavras da “boa educação”», explicou, esclarecendo que não se trata do «formalismo das boas maneiras» mas de um estilo assente no amor e no «respeito pelo próximo».

 

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

A catequese de hoje é como a porta de entrada de uma série de reflexões sobre a vida da família, a sua vida real, com os seus tempos e acontecimentos. Sobre esta porta de entrada estão escritas três palavras, que já mencionei várias vezes na praça. Elas são: «com licença», «obrigado», «desculpa». Estas palavras realmente abrem o caminho para viver bem na família, para viver em paz. Trata-se de palavras simples, mas não tão fáceis de pôr em prática! Elas encerram em si uma grande força: o vigor de proteger o lar, até no meio de inúmeras dificuldades e provações, ao contrário, a sua falta gradualmente abre fendas que até o podem fazer ruir.

Em geral, para nós, elas são as palavras da «boa educação». Pois bem, uma pessoa bem- educada pede licença, diz obrigado ou pede desculpa quando se engana. Mas a boa educação é muito importante! Um grande bispo, São Francisco de Sales, costumava dizer que «a boa educação já é meia santidade». Mas atenção, na história, conhecemos também um formalismo das boas maneiras que pode tornar-se uma máscara que oculta a aridez do espírito e o desinteresse em relação ao próximo. Costuma-se dizer: «Por detrás de tantas boas maneiras escondem-se maus hábitos». Nem sequer a religião está imune deste risco, que leva a observância formal a decair na mundanidade espiritual. O diabo que tenta Jesus ostenta boas maneiras – é mesmo um senhor, um cavalheiro – e até cita as Sagradas Escrituras, parece um teólogo. O seu estilo parece correcto, mas tem a intenção de desviar da verdade do amor de Deus. Quanto a nós, entendemos a boa educação nos seus termos autênticos, onde o estilo das boas relações está solidamente arraigado no amor pelo bem e no respeito pelo próximo. A família vive desta delicadeza do bem-querer.

Vejamos: a primeira palavra é «com licença». Quando nos preocupamos em pedir gentilmente até aquilo que talvez julguemos que podemos pretender, construímos um verdadeiro baluarte para o espírito da convivência matrimonial e familiar. Entrar na vida do outro, mesmo quando faz parte da nossa existência, exige a delicadeza de uma atitude não invasiva, que renova a confiança e o respeito. Em síntese, a confidência não autoriza a presumir tudo. E quanto mais íntimo e profundo for o amor, tanto mais exigirá o respeito pela liberdade e a capacidade de esperar que o outro abra a porta do seu coração. A este propósito, recordemos aquela palavra de Jesus no livro do Apocalipse: «Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei na sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo» (3, 20). Até o Senhor pede licença para entrar! Não o esqueçamos! Antes de fazer algo em família: «Com licença, posso fazer isto? Queres que eu faça assim?». Uma linguagem bem educada, mas cheia de amor. E isto faz bem às famílias.

A segunda palavra é «obrigado». Certas vezes, pensamos espontaneamente que estamos a tornar-nos uma civilização malcriada, de palavrões, como se eles fossem um sinal de emancipação. Ouvimo-las com frequência, inclusive publicamente. A gentileza e a capacidade de agradecer são vistas como um sinal de debilidade, e às vezes até chegam a suscitar desconfiança. Esta tendência deve ser evitada no próprio coração da família. Devemos tornar-nos intransigentes sobre a educação para a gratidão e o reconhecimento: a dignidade da pessoa e a justiça social passam ambas por aqui. Se a vida familiar ignorar este estilo, também a vida social o perderá. Além disso, para o crente a gratidão encontra-se no próprio cerne da fé: o cristão que não sabe agradecer é alguém que se esqueceu da língua de Deus. E isto é feio! Recordemos a pergunta de Jesus, quando curou dez leprosos e só um deles voltou para dar graças (cf. Lc 17, 18). Certa vez ouvi uma pessoa idosa, muito sábia, boa e simples, mas dotada da sabedoria da piedade e da vida, que dizia: «A gratidão é uma planta que só cresce na terra de almas nobres». Esta nobreza de alma, esta graça de Deus na alma impele-nos a dizer obrigado à gratidão. É a flor de uma alma nobre. E isto é bonito!

A terceira palavra é «desculpa». Certamente, é uma palavra difícil, e no entanto é deveras necessária. Quando ela falta, pequenas fendas alargam-se – mesmo sem querer – até se tornar fossos profundos. Não é sem motivo que na prece ensinada por Jesus, o «Pai-Nosso», que resume todas as questões essenciais para a nossa vida, encontramos esta expressão: «Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Reconhecer que erramos e desejar restituir o que tiramos – respeito, sinceridade, amor – torna-nos dignos do perdão. É assim que se impede a infecção. Se não soubermos pedir desculpa, quer dizer que também não seremos capazes de perdoar. No lar onde as pessoas não pedem desculpa começa a faltar o ar, e a água estagna-se. Muitas feridas dos afectos, muitas dilacerações nas famílias começam com a perda deste vocábulo precioso: «Desculpa». Na vida matrimonial muitas vezes há desacordos… e chegam a «voar pratos», mas dou-vos um conselho: nunca termineis o dia sem fazer as pazes. Ouvi bem: esposa e esposo, brigastes? Filhos e pais, entrastes em forte desacordo? Não está bem, mas o problema não é este. O problema é quando este sentimento persiste inclusive no dia seguinte. Por isso, se brigastes, nunca termineis o dia sem fazer as pazes em família. E como devo fazer as pazes? Ajoelhar-me? Não! A harmonia familiar restabelece-se só com um pequeno gesto, com uma coisinha. É suficiente uma carícia, sem palavras. Mas nunca permitais que o dia em família termine sem fazer as pazes. Entendestes isto? Não é fácil, mas é preciso agir deste modo. Assim a vida será mais bonita.

Estas três palavras-chave da família são simples, e num primeiro momento talvez nos faça sorrir. Mas quando as esquecemos, deixa de haver motivos para sorrir, não é verdade? Talvez a nossa educação as ignore demais. O senhor nos ajude a repô-las no lugar que lhes cabe no nosso coração, no nosso lar e na nossa convivência civil.

E agora convido-vos a repetir todos juntos estas três palavras: «com licença», «obrigado», «desculpa». Todos juntos (praça) «com licença», «obrigado», «desculpa». São as três palavras para entrar no amor da família, para que ela vá em frente e permaneça tal. Depois repitamos aqueles conselhos que eu dei, todos juntos: nunca termineis o dia sem fazer as pazes. Todos: (praça): nunca termineis o dia sem fazer as pazes. Obrigado!

No final da audiência, o Papa voltou a recordar os temas fundamentais da catequese e, saudando entre outros os grupos de expressão lusófona na memória litúrgica de Nossa Senhora de Fátima, exortou-os: «Confiai-lhe tudo o que sois, tudo o que tendes».

Dirijo uma cordial saudação, com votos de graça e paz do Céu, a todos os peregrinos de língua portuguesa, particularmente as várias paróquias e grupos do Brasil. Neste dia de Nossa Senhora de Fátima, convido-vos a multiplicar os gestos diários de veneração e imitação da Mãe de Deus. Confiai-lhe tudo o que sois, tudo o que tendes; e assim conseguireis ser um instrumento da misericórdia e ternura de Deus para os vossos familiares, vizinhos e amigos. A todos abençoo no Senhor.

E agora peço ao meu irmão português que neste dia da Virgem de Fátima recite em português uma Ave-Maria a Nossa Senhora, e todos em silêncio.

Dirijo um pensamento especial aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. Hoje é a memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria de Fátima. Caros jovens, aprendei a cultivar a devoção à Mãe de Deus, com a recitação diária do Rosário; prezados enfermos, senti Maria presente na hora da cruz; e vós, amados recém-casados, invocai-a para que na vossa casa nunca falte o amor nem o respeito recíproco.

L’Osservatore Romano, 14 de maio de 2015

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