A Família: Um olhar a partir da beleza e da bondade
Volto, nas linhas que se seguem, a revisitar o texto da Exortação Apostólica Pós-Sinodal «A alegria do amor», escrita muito recentemente pelo Papa Francisco. Faço-o seguindo o conselho que o próprio Papa faz no texto e que me levará, em várias outras ocasiões, a partilhar convosco essas releituras, nas quais procuro olhar a família a partir da beleza e da bondade:
“Devido à riqueza que os dois anos de reflexão do caminho sinodal ofereceram, esta Exortação aborda, com diferentes estilos, muitos e variados temas. Isto explica a sua inevitável extensão. Por isso, não aconselho uma leitura geral apressada. […]. Espero que cada um, através da leitura, se sinta chamado a cidar com amor da vida das famílias, porque elas «não são um problema, são sobretudo uma oportunidade».” (nº 7)
Neste exercício, quero hoje dar conta de alguns comentários que tenho ouvido acercado texto e que me têm criado algumas perplexidades. Segundo eles, esta Exortação acaba por não mudar nada, uma vez que não apresenta nenhuma decisão clara em relação a muitas das temáticas que preocupam as pessoas. Cheguei mesmo a ouvir quem tivesse afirmado que até teria preferido uma decisão mesmo contrária à sua sensibilidade, desde que fosse algo de mais claro e preciso, de modo a que as pessoas ficassem a saber ‘com que linhas se iriam coser’.
Quem isto afirma parece-me não ter em conta um elemento que julgo fundamental e que está relacionado com toda a dinâmica sinodal qe precede a escrita deste texto. Não podemos esquecer, nesse sentido, que em outubro de 2014 teve lugar a III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que reflectiu sobre «Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização» e que em outubro de2015 teve lugar a XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, tendo como tema de reflexão «A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo». Para além disso, não podemos também ignorar que estes dois momentos foram antecedidos de duas consultas (sob a forma de uma série de perguntas) dirigidas a todas as comunidades cristãs e que deles resultaram dois textos conclusivos, que aparecem espelhados nesta Exortação, como de outra forma não poderia deixar de ser.
Se o resultado que agora aparece não é tão claro como alguns desejariam, julgo que isso se deve às dúvidas, incertezas, ambiguidades, e variedade de posições que foram sendo manifestadas ao longo de todo este processo. Na verdade, ele revelou-nos como é ainda necessário continuar a reflectir e a caminhar no sentido de um maior discernimento. Isso aparece, aliás, dito de um modo inequívoco no próprio texto desta Exortação Pós-Sinodal.
O caminho sinodal permitiu analisar a situação das famílias no mundo actual, alargar a nossa perspetiva e reavivar a nossa consciência sobre a importância do matrimónio e da família. Ao mesmo tempo, a complexidade dos temas tratados mostrou-nos a necessidade de continuar a aprofundar, com liberdade, algumas questões doutrinais, morais, espirituais a pastorais. A reflexão dos pastores e teólogos, se for fiel à Igreja, honesta, realista e criativa, ajudar-nos-á a alcançar uma maior clareza. […].” (nº 2)
No meu entender o Papa quis levar a sério esta dinâmica sinodal, por isso o pano de fundo da sua reflexão não podia deixar de transparecer o itinerário que foi desenvolvido a esse nível. É verdade que deste modo talvez caminhemos mais devagar e não com tantas certezas, como alguns gostariam, mas no meu entender, e não escondo que isso me entusiasma, caminhamos juntos e em corresponsabilidade, procurando todos, em comunhão (e sabemos bem como esta dimensão é fundamental no contexto da experiência cristã), discernir os caminhos que o Espírito nos está a inspirar.
Este caminho do discernimento parece-me até ser uma das propostas concretas que aparecem neste texto. Sim, porque, ao contrário do que alguns dizem, há essa proposta que me parece bem evidente, se bem que seja igualmente mais exigente. Mas essa reflexão fica para o próximo número do nosso Jornal.
Escrito por Juan Ambrósio e publicado em Jornal da Família, julho de 2016