Talvez Filadélfia seja capaz de lançar o Sínodo

 (Entrevista ao Pe. Andrea Cucci, por Ricardo Perna, publicada em Família Cristã, janeiro 2015)

 

O Pe. Andrea Cucci, do Conselho Pontifício para a Família, está na organização do Encontro Mundial das Famílias que irá decorrer em Filadélfia em Setembro próximo. Olhando para o sínodo que aí vem, o sacerdote considera que é possível ligar estes dois eventos, que tem a Família como base.

 

Acha que o sínodo serviu para elucidar as pessoas ou para as confundir?

Para gerar um bom debate. A palavra sínodo significa caminhar juntos. E quando se caminha juntamente, cada um chega com o seu passo, com a sua posição, com as suas forças, com as suas debilidades, caminhamos juntos e aprendemos a caminhar juntos, até se encontrar uma passagem comum. O tema do sínodo era uma questão forte, muito importante e muito complexa, devemos dizê-lo. Claro, se calhar provocou alguma confusão, mas é o que acontece sempre que se constitui um grupo que caminha junto. Também gerou muita esperança. Devemos rezar para que crie muitos frutos bons.

 

No seu entender, quais foram os tópicos mais importantes que foram abordados?

O único “pecado” que existiu, a ocasião perdida, foi a de não se ter valorizado exactamente todos os temas. Penso em algumas perguntas que raramente aparecem nos jornais, mas que na realidade parecem ser decisivas. As dificuldades que hoje os jovens sentem quando se propõem escolher o casamento; porque se sente que a oferta da vida agora é mais sentida como peso do que uma ocasião preciosa para a construção da vida? Ou então a dramática questão da demografia. A Europa deixou de dar crianças novas ao mundo. Estas foram algumas grandes questões, alguns dos grandes temas, juntos com aquele de reconhecer a família como central no anúncio da transmissão da fé.

 

Houve duas vertentes bem definidas: a de responder aos desafios e às dificuldades das pessoas hoje, e a de evitar que mais pessoas sofram com essas situações. Uma foi certamente mais mediática que a outra, mas terá tido mais importância?

Certamente alguns temas tiveram grande relevo no contexto mediático. Um relevo que tem o seu fundamento. É claro que em todo o mundo, pelo menos ocidental, são estes os temas que se debatem. E se pensarmos que, atrás destes, existem histórias de pessoas, são temas importantes. E por isso devem ser enfrentados com a delicadeza e a caridade que as pessoas sempre exigem, independentemente da sua condição.

Mas dizer que estes são os temas mais importantes, os únicos temas de que se ouve falar, os únicos que têm uma expectativa para o futuro, diria que não… porque esta visão é extremamente parcial, extremamente redutiva de um caminho sinodal que foi muito mais rico e que deve ser muito mais rico.

 

Disse numa conferência que se podem esperar mudanças na pastoral. Que mudanças poderão ser essas?

Demasiadas vezes a família foi vista como uma espécie de destinatário da cura pastoral da Igreja. Era um sujeito a quem dirigir uma proposta ou um ensinamento. Na realidade, a família é, na sua estrutura sacramental, um sujeito, um proponente. Então, uma das grandes mudanças será certamente apoiar, convidar as famílias a serem aquilo que são, ou seja, anunciadoras do Evangelho às novas gerações, aos filhos, às pessoas que conhecem, à sociedade que habitam. A Igreja existe para anunciar o Evangelho ao mundo. E se hoje o nosso mundo é, vive, raciocina e age, de um modo diferente do que era até aqui, a nossa missão deve ser a de o anunciar neste mundo. A lógica da encarnação é uma lógica por excelência inculturante. Por isso, acredito que a grande novidade será uma Igreja que procura dizer o Evangelho da família na condição cultural pós-moderna.

 

E como podemos tornar as famílias conscientes dessa necessidade de mudança?

Respeitando-as na sua individualidade. Penso na minha experiência italiana, que conheço melhor: pedimos às famílias para fazerem como faríamos nós, os padres. Mas não deve ser assim, porque a família faz no seu modo próprio de família. Com os problemas da família, com as palavras da família, com os gestos da família. Creio que nós podemos convidar as famílias a viverem intensamente aquilo que são.

 

Muito se tem falado na necessidade de maior preparação para o casamento. É inevitável que se exija mais dos noivos que se pretendem casar?

É importante um caminho de preparação para o casamento alargado no tempo. Mas isto não significa mais reuniões e mais encontros. São coisas diferentes. Na reflexão que também o Conselho Pontifício fez sobre este tema, reconheceu-se que se deve pensar num caminho de preparação remoto e num caminho de preparação próxima, uma preparação remota onde os jovens são introduzidos no mistério do amor, a viver e a experimentar, a escutar a boa notícia do Evangelho que diz a verdade do amor que se aproxima das suas vidas. Depois vem uma preparação próxima. Aí o desafio não é simplesmente enfrentar a questão do matrimónio cristão, mas reintroduzir o casal na vida da comunidade, convidá-lo à missa dominical, a algum momento de fraternidade, a fazer-lhe fazer alguma experiência em relação aos pobres, a aprender a rezar em conjunto.

 

O Papa quer ouvir toda a Igreja. Como é que os cristãos podem agora ajudar o Papa na sua reflexão durante este ano, até ao próximo sínodo?

Em primeiro lugar foi-nos dado um tempo, um tempo até bastante longo. Isto serve para fazer calar uma certa polémica, uma certa força de debate. Há questões que não se resolvem facilmente, que não se resolvem velozmente, mas pedem um tempo, pedem pacatez, pedem ainda a experiência da oração.

Depois será a ocasião para alargar os temas, para fazer com que a nossa atenção não caia somente sobre uma ou duas questões, para ler o documento final do sínodo, a assembleia extraordinária que não foi feita apenas de 3 números, mas de outros 60 que ninguém leu.

 

Uma forma de as famílias se poderem fazer ouvir é o próprio Encontro Mundial das Famílias…

Certamente. O Encontro Mundial das Famílias de Filadélfia, que se celebrará em Setembro deste ano, exactamente 15 dias antes do sínodo ordinário, é o maior evento das famílias católicas este ano. Viver este evento com toda a preparação que terá durante este ano será certamente um grande momento. E é interessante, é belo pensar que este sínodo que até acaba por ser, sob certo aspecto, uma reunião de bispos, será precedida de uma reunião de famílias que terá um milhão de pessoas na Missa com o Papa. As reflexões e os documentos que naquela altura já estarão prontos dirão respeito àqueles olhares, àquelas histórias específicas, àquelas expressões específicas, àquelas paixões, àquelas procuras, àqueles trabalhos, àqueles dramas.

 

Que contributo poderá o Encontro Mundial das Famílias dar para o sínodo?

Sairá certamente um contributo espiritual. Nós não somos uma associação que se encontra para discutir questões que passamos por votos de maioria. Devemos fugir desta imagem de Igreja. Trata-se de uma experiência espiritual. Não é uma coisa um bocado estranha, mas é algo que compromete toda a pessoa. Neste sentido seguramente, creio eu, de Filadélfia sairá em primeiro lugar o sopro do Espírito. Sairá a oração para os bispos que devem pegar nos documentos e tomar decisões. Sairá uma paixão pelo Evangelho.

 

O Papa Francisco vai poder ouvir as famílias?

Uma das belas experiências do sínodo extraordinário foram exactamente as famílias que estavam presentes no sínodo e a sua oração logo no início de cada dia. Todos os bispos e o Papa paravam um momento, faziam silêncio e escutavam esta história, os testemunhos destas pessoas e creio que isso foi fundamental. Porque é bonito ouvir um homem e uma mulher a falar de amor. E é belo ouvir um homem e uma mulher a falar do que significa gerar um filho, e isto enriquece até os padres, que são celibatários. Eu falo de amor, falo da vida. Mas faço-o de modo claramente diferente. Não é questão de forma melhor ou pior. Mas é a forma como uma comunidade cristã se enriquece com a experiência de cada um.

 

Esse diálogo poderá ser um fator que leve mais famílias ao Encontro?

Certamente que sim. Talvez não seja o sínodo a verdadeira motivação que impele grandes multidões a participar em Filadélfia, mas creio que certamente prenderá as atenções. Haverá muitos que ficarão em casa, escutarão, verão a televisão, lerão algum texto, até mesmo graças ao sínodo. E vice-versa: talvez Filadélfia seja capaz de lançar o sínodo e de manter elevada a expectativa em relação a este tema.

 

Filadélfia não é perto, para as famílias europeias. Isso é uma responsabilidade acrescida para os movimentos de família prepararem bem o encontro no próprio país, mesmo com as famílias que não irão?

Há muitos modos para participar num encontro mundial. Compreendo que seja complicado e custoso para quem vive na Europa, sobretudo em momentos como estes de crise. Uma outra forma de vivência são as catequeses que foram preparadas como apoio para reflexão. É belo pensar que esta página me faz reflectir em conjunto com famílias do Burkina Faso, de um grupo de famílias na Coreia e outro no Peru. Isto tem um sentido de mundialidade certamente significativo. Mas hoje, apesar de tudo, temos as coisas muito facilitadas. E em todas as partes do mundo se podem ver os momentos dos congressos sobretudo com a presença do Papa, entrevistas, transmissões na internet.

 

Como é participar num encontro mundial de famílias?

É um grande cansaço (risos). É uma ocasião de encontrar famílias. Muito diversas. Quando ouvi a história de algumas famílias milanesas que encontraram uma família russa, com quem não conseguiam dizer uma só palavra, porque ninguém falava inglês, foi bonito ouvir como as famílias encontraram linguagens diferentes da verbal para partilharem. E muitos disseram: nós resolvemos tudo com um café; fizemo-los sentar numa mesa e oferecemos-lhes um café. Certamente que é uma coisa que pede empenho, mas é uma grande experiência de encontro. Em segundo lugar, creio que seja uma descoberta. Descobre-se uma Igreja diferente, nos modos, nos cânticos, no modo de celebrar. Depois, vem o encontro com o Papa. Creio que, por várias razões, é a coisa maior e mais desejada, mas por outro lado apenas a conclusão gloriosa dos dias precedentes intensos, extremamente preciosos.

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