Paquistão: as madrassas e os “cristãos das catacumbas”

Que clima reina no país após os ataques da Páscoa?

 

29 março 2016 – No domingo da Ressurreição, o Paquistão mergulhou de novo nas profundezas do ódio e da morte. Em Lahore, na região central do país, um suicida se explodiu em um parque repleto de famílias que celebravam com alegria.

O saldo (infelizmente) provisório é de 72 vítimas, incluindo 30 crianças, e pelo menos 340 feridos. A maioria pertence à comunidade cristã do Paquistão, 4% de uma população de preponderância muçulmana e que é alvo, pela enésima vez, de ataques atrozes.

A chacina alimentou um clima de tensão e de alarme. Em conversa com Zenit, quem fala desse clima é o professor Shahid Mobeen, que leciona Pensamento e Religião Islâmica na Pontifícia Universidade Lateranense e é fundador da Associação de Paquistaneses Cristãos na Itália.

“Após o ataque, as minorias religiosas ficaram apavoradas. É difícil sair de casa”, explica ele, com base nos contínuos testemunhos que recebe por telefone de seu país. Mobeen conta que sua irmã estava em Lahore no domingo. Com ela e outros membros da família “está tudo bem”, porque tinham ficado em casa com outros parentes.

Parece que retornaram os tempos das catacumbas para os cristãos do país asiático. “Muitos pais estão evitando mandar os filhos para a escola e muitos também evitam os locais de maior aglomeração”.

Era o caso, no domingo, do parque infantil de Gulshan-e-Iqbal, onde muitas famílias cristãs comemoravam a tarde de Páscoa depois de terem participado das celebrações religiosas.

O ataque foi reivindicado pelos jihadistas do grupo Jamatul Ahrar, ligado ao principal grupo do Taliban paquistanês (Tehrik e Taleban Pakistan – TTP). Pode ser uma mostra de força do Taliban diante do Estado Islâmico (EI), que busca apoio entre as franjas mais extremistas do islã no Paquistão. Mobeen recorda que, “recentemente, foi desbaratado um grupo que pretendia criar uma filial do EI no Paquistão. Existem campos de treinamento onde os mujaheddin são recrutados pelo EI para cometer ataques não só no Paquistão, mas também no exterior”.

Muitos analistas interpretam o ataque em Lahore como um sinal enviado ao governo, que tem se mostrado disposto a alterar a lei antiblasfêmia introduzida em 1986 e que vem gerando muitas injustiças (e vítimas) entre os cristãos. Além de condenar à pena de morte quem “insulta” a religião islâmica, essa lei tem sido usada muitas vezes como pretexto para indiciar, aprisionar e até linchar sem prova alguma os assim chamados “infiéis”.

“Eu não acho que seja um sinal desse tipo”, objeta Mobeen. Ele acredita que, com este ataque, o grupo TTP “quis registrar a sua presença em Lahore para o primeiro-ministro Nawaz Sharif”, que é da cidade. O professor recorda ainda que o Talibã “já atacou várias outras áreas do país, como as que fazem fronteira com o Afeganistão e as do Sul”.

A demonstração de instabilidade do Paquistão ameaça a visita do papa Francisco, que recebeu o convite do governo de Islamabad faz algumas semanas. De acordo com Mobeen, a presença do papa no Paquistão se torna agora uma quimera, porque o ataque “mostrou todas as falhas de segurança das autoridades” – autoridades, aliás, que, apesar dos discursos, parecem impotentes diante do crescimento do fundamentalismo islâmico, atribuído por Mobeen ao papel das madrassas, escolas corânicas que, ao longo dos anos e graças a abundante financiamento do exterior, têm corroído lentamente a educação pública no país.

Mobeen observa que os pais, “muitas vezes, sem contarem com escolas do Estado, são obrigados a enviar seus filhos às madrassas”, onde as crainças podem acabar doutrinadas para a jihad. Especialmente quando essas instituições são zonas francas do islamismo mais radical, livres de qualquer monitoramento.

“De 40 mil madrassas no território nacional, as registradas pelo Estado e que seguem um mínimo do currículo não chegam a 8.000”, diz Mobeen. Isto significa que “cerca de 32 mil madrassas, frequentadas por centenas de milhares de crianças, são potenciais promotoras da ‘guerra santa’ contra o Ocidente, contra a democracia e contra as instituições”.

Para mudar a situação, Mobeen pede ao governo paquistanês que reative o Ministério Federal das Minorias, porque “nós, cristãos, não somos dhimmi (indivíduos não-muçulmanos) a ser protegidos, mas sim co-fundadores do Paquistão com pleno direito de cidadania”. A paz não passa pela proteção de uma minoria, mas pelo reconhecimento da igualdade de oportunidades.

 

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