Os cuidados que os católicos devem tomar diante das ideologias
Por Pe. Giuseppe Buono, PIME
MILãO, 06 de Março de 2014 (Zenit.org) – Recentemente, precisei falar sobre os acontecimentos históricos de 1968, uma época de embriaguez ideológica nefasta para a fé, quando muitos pensavam que a ideologia marxista, a “revolução comunista” e as várias correntes do socialismo fossem “a única esperança para os pobres”; quando não poucos “intelectuais” e teólogos católicos escreviam que é errado falar de “Doutrina Social da Igreja”, porque a única autêntica e científica “análise da sociedade” seria a do marxismo. Nos últimos anos do seu pontificado (1963-1977), frequentemente contestado e ridicularizado, Paulo VI já evitava usar o termo “Doutrina Social da Igreja”. O uso foi retomado com força por João Paulo II em sua primeira grande viagem internacional, à cidade de Puebla, no México (janeiro de 1979), para a terceira assembleia do episcopado latino-americano (CELAM). Hoje o termo é usado por todos. Depois de ver onde foram terminar os cerca de trinta países governados pelo comunismo ou pelo “socialismo real”, é difícil, hoje, entender como é que nasceu, naquela época, uma associação chamada “Cristãos pelo Socialismo”.
No atual mundo globalizado, quase todos os povos adotam o livre mercado, o capitalismo que, dizem alguns, os povos democráticos poderiam trocar por mais “justiça social”. Mas, na prática, parece que em todos os lugares onde “os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres”, inclusive em países como o Vietnã e a China, governados pelo Partido Comunista, pratica-se inevitavelmente, para se chegar ao enriquecimento, um “capitalismo selvagem” do qual o Ocidente desenvolvido já quase perdeu as lembranças. O mesmo acontece na Índia, onde governa um “socialismo democrático”.
Na Evangelii Gaudium, o papa Francisco aborda o tema de maneira pragmática, como é do seu estilo. No capítulo II (Alguns desafios do mundo atual), ele confirma a condenação da Igreja aos aspectos que alicerçam a economia no mundo de hoje. E ele diz “não” para:
– a economia da exclusão (53-54);
– a nova idolatria do dinheiro (55-56);
– o dinheiro que governa em vez de servir (57-58);
– a desigualdade que gera violência (59-60).
O papa Francesco reivindica, para os cristãos e para a Igreja, o direito de dar as suas opiniões sobre os problemas da sociedade, indo contra a “cultura do secularismo” que marginaliza a religião. Ele escreve (nº 183): “Ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião à intimidade pessoal, sem qualquer influência na vida social nacional, sem preocupação com a saúde das instituições da sociedade civil, sem se expressar sobre os acontecimentos que afetam os cidadãos. Uma fé autêntica, que nunca é cômoda nem individualista, implica sempre um profundo desejo de mudar o mundo, de transmitir valores, de legar algo melhor depois da nossa passagem pela terra”.
Francisco afirma ainda (186): “Todo cristão e toda a comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus para a libertação e para a promoção do progresso dos pobres”, colaborando (188) “para resolver as causas estruturais da pobreza e para promover o desenvolvimento integral dos pobres… bem como para criar uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos em contraste com a apropriação dos bens por parte de alguns”. E cita Paulo VI (Octogesima adveniens, 189): “Os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus direitos para colocar os seus bens com maior generosidade a serviço dos outros”.
A ação do cristão em favor dos pobres deve sempre se inspirar no Evangelho. E o papa Francisco relê as passagens do Novo Testamento que se relacionam com o grito dos pobres, com o amor especial de Deus pelos pobres, com o dever do seguidor de Cristo de ajudar os pobres e com a misericórdia de Deus para com aqueles que não são mesquinhos com as coisas que possuem e as compartilham com quem tem menos do que eles. Francisco fala seguidamente dos pobres, dos últimos, dos marginalizados, de ir até as periferias da humanidade, da opção preferencial pelos pobres, mas isto não deve ser entendido em sentido político-partidário, porque seria deturpar o que o papa diz e faz. Para ele, os pobres não são apenas os marginalizados da sociedade, mas também os doentes, os isolados, os presos e os que estão longe de Cristo e da Igreja. Na Evangelii Gaudium, ele condena a “nova idolatria do dinheiro” e escreve (58): “O papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promover o seu progresso. Eu os exorto à solidariedade altruísta e a um retorno da economia e das finanças a uma ética em favor do homem”.
Quarenta anos depois, é interessante reler o que dizia Paulo VI sobre o socialismo e sobre a adesão dos cristãos a movimentos e partidos socialistas. Na carta apostólica “Octogesima adveniens” (14 de maio de 1971), acusada de “pouco corajosa” e de “pouco profética”, Paulo VI escreveu (26): “O cristão que quer viver a sua fé em uma ação política entendida como serviço não pode, sem se contradizer, aderir a sistemas ideológicos que se opõem radicalmente ou em pontos substanciais à sua fé… [Não pode aderir] à ideologia marxista, ao seu materialismo ateu, à sua dialética de violência, à sua maneira de absorver a liberdade individual na coletividade e negar qualquer transcendência ao homem e à sua história pessoal e coletiva”.
E prossegue (28): “O perigo seria o de aderir formalmente a uma ideologia que não se alicerça em uma doutrina verdadeira e orgânica, de se refugiar nela como em uma explicação definitiva e suficiente, construindo, assim, um novo ídolo, do qual se aceita, sem às vezes sequer notar, o caráter totalitário e coercitivo. Pensa-se em achar uma justificativa para a própria ação, mesmo violenta, um ajuste a um desejo até generoso de serviço. Este desejo permanece, mas se deixa absorver por uma ideologia que, embora proponha certos caminhos de libertação para o homem, acaba, no fim, por escravizá-lo”.
E complementa no número 31: “Há cristãos que se deixam atrair pelas correntes socialistas nas suas diversas evoluções. Eles tentam reconhecer nelas algumas das aspirações que trazem em si mesmos em nome da sua fé; sentem-se parte desse fluxo histórico e querem desempenhar nele um papel. Agora, de acordo com os continentes e culturas, esta corrente histórica assume formas diferentes sob o mesmo nome, inspirado por ideologias incompatíveis com a fé. Um discernimento cuidadoso é necessário. Muitas vezes, atraídos pelo socialismo, os cristãos tendem a idealizá-lo em termos muito genéricos: desejo de justiça, de solidariedade e de igualdade. Eles se recusam a reconhecer as limitações dos movimentos socialistas históricos, que permanecem condicionados pelas suas ideologias de origem”.
Este artigo foi publicado originalmente no blog Armagheddo, do pe. Piero Gheddo, missionário jornalista: http://www.gheddopiero.it/