Família, um Evangelho a anunciar

(Texto do Padre João Alberto Correia, professor na Faculdade de Teologia de Braga, publicada em Família Cristã, março 2015)

 

Este título presta-se a ser lido em dois sentidos: a família é o espaço por excelência do anúncio do Evangelho, por ser o lugar onde a boa notícia de Jesus Cristo entra na vida; a família é uma boa notícia para todos e, por isso, um evangelho a anunciar. Como quer que se leia – e as duas leituras reclamam-se! -, salta à vista a importância da família no contexto da (nova) evangelização (cf. Relatio Synodi da III Assembleia-Geral Extraordinária, nº 29).

 

CONTEXTOS, DIFICULDADES E ESTRATÉGIAS

Quando se pensa nos contextos onde urge anunciar o Evangelho à família ou da família, emerge, de imediato, um turbilhão de ideias. Eles só podem ser os espaços e as instâncias da (com)vivência familiar: a própria família, nos seus laços e afetos, a comunidade mais vasta que ela integra, seja a civil e os seus espaços de intervenção e convivência cívicas, seja a eclesial e os seus movimentos eclesiais ou ambientes celebrativos. Há, contudo, dificuldades a superar e estratégias a ter em conta.

Quanto às dificuldades, não é difícil fazer o diagnóstico: por razões várias, é hoje menos definido o conceito de família e mais frágeis os seus laços; as palavras e conceitos sofreram uma significativa erosão e, por isso, a linguagem do testemunho é menos pertinente e credível, em virtude do relativismo; o ambiente circundante é menos favorável à transmissão da fé e dos valores, por força do pluralismo religioso, da secularização acentuada ou até de um ateísmo que se faz à estrada, por estar na moda. Seja como for, o anúncio impõe-se e “a Igreja é chamada a fazê-lo com ternura de mãe e clareza de mestra (cf. Ef 4, 15)” (Relatio Synodi, nº 29) e a persistência de quem acredita que tal missão lhe vem do Alto.

Quanto às estratégias, também não é difícil adiantar algumas propostas. Tendo em conta que a crise do matrimónio e da família enfraqueceu os laços e as convicções, há que refazer e fortalecer laços. Quando isso acontecer, o resto será mais fácil. Depois disso, pode ganhar corpo a pastoral familiar, já em curso no Centro de Preparação para o Matrimónio (CPM) e nas Equipas de Casais. Uns e outros testemunham a necessidade de as famílias crentes assumirem, junto de outras famílias, a pastoral da família, cooperando na sementeira do Evangelho e esperando que a semente germine.

Estes trabalhos precisam, contudo, de um investimento na mudança de mentalidade, na sua maior difusão e numa presença mais continuada. Na mudança de mentalidade, porque está espalhada a ideia de que o CPM e as Equipas de Casais não passam de uma doutrinação pré e pós-matrimonial, respectivamente; na sua maior difusão, porque ainda se confinam a algumas comunidades ou ambientes eclesiais mais restritos, quando não mesmo elitistas; numa presença mais continuada, porque se impõe que esse trabalho seja continuado e se mantenha atento aos anseios e dificuldades da vida familiar, no concreto da vida e ao longo de toda a vida.

Tudo se tornará mais fácil quando se perceber que “o matrimónio cristão é uma vocação que se acolhe com uma adequada preparação num itinerário de fé, com um discernimento maduro, não se devendo considerá-lo apenas como uma tradição cultural ou uma exigência social ou jurídica. Por isso, é necessário realizar percursos que acompanhem a pessoa e o casal” (Relatio Synodi, nº 36) e que atendam à linguagem utilizada, não no sentido de adequar às novas modas e tendências, mas antes de a fazer compreensível às pessoas de cada tempo e cultura.

A Palavra de Deus ocupa, neste processo, um lugar de preponderância. Sugere-se, por isso, às famílias “a leitura orante e eclesial da Sagrada Escritura” (Relatio Synodi, nº 34) para que nela encontrem “um critério de juízo e uma luz para o discernimento dos diversos desafios com que se confrontam os cônjuges e as famílias” (Relatio Synodi, nº 34). Estou convicto de que a família será um evangelho a anunciar quando deixar que o Evangelho a modele e reconfigure.

A possibilidade de quanto se disse depende, em boa parte, de uma nova prática pastoral que comece por uma formação renovada dos presbíteros, diáconos, catequistas e outros agentes da pastoral (cf, Relatio Synodi, nº 37), conferindo à família uma maior envolvência no processo da sua formação; e que passe por uma denúncia profética dos condicionamentos culturais, sociais, políticos e económicos e dos seus subprodutos: discriminações, pobreza, exclusões e violência (cf. Relatio Synodi, nº 38).

Em suma, a pastoral da Igreja precisa de se colocar em constante revisão para poder responder às necessidades e anseios que os novos tempos vão colocando e suscitando nas famílias, ajudando-as a tomar consciência dos seus direitos e deveres cívicos e eclesiais. Nesse sentido, podem ser de grande importância as associações familiares que promovam o esclarecimento da família, se apresentem como interlocutores credenciados junto das instituições sociais e políticas e assumam a defesa da família face aos ataques que vai sofrendo na sua identidade e missão.

 

UMA FAMÍLIA QUE EDUCA E EVANGELIZA

A educação, hoje mais exigente e complexa, começa em casa e encontra na família a sua referência fundamental. É no lar que se cresce, é na família que se realiza a transmissão das virtudes e valores. Se as instâncias educativas, particularmente a escola, apoiam os pais na tarefa de educar, dando continuidade ao processo iniciado em casa, é lógico que seja dada liberdade aos pais para escolher os intérpretes de tão importante e nobre missão.

Entre as instâncias educativas de que a família se vale, na formação dos seus filhos e até dos próprios pais, conta-se também a Igreja. Aos mais diversos níveis (colégios, catequese, pastoral familiar), é-lhe pedido que apresente propostas pedagógicas no sentido de iniciar e ajudar a crescer na fé, de formar integralmente os mais novos e acompanhar o processo da formação contínua dos mais crescidos. Todos estes processos hão-de partir do Evangelho, tornando-se “capazes de os introduzir no sentido pleno da vida e de provocar escolhas e responsabilidades vividas à luz do Evangelho” (Relatio Synodi, nº 61).

Maria assume aqui um lugar de grande relevo por fazer lembrar o modelo da família de Nazaré e por ser invocada pelos cristãos como a protectora das famílias cristãs, a Senhora do Lar. Não é, pois, descabido afirmar que “a pastoral e uma devoção mariana são o ponto de partida oportuno para anunciar o Evangelho da família” (Relatio Synodi, nº 61).

A família evangeliza quando educa e educa quando evangeliza. Eis porque ela é sempre um Evangelho a anunciar.

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