Cardeal Sarah: a crise das famílias vem da distorção do matrimônio

O presidente do “Cor Unum” comenta o Sínodo recém concluído e destaca que o tema do acesso aos sacramentos para os divorciados recasados é o último dos problemas da família

Por Deborah Castellano Lubov

 

ROMA, 23 de Outubro de 2014 (Zenit.org) – “A crise da família vem dos efeitos de uma concepção relativista da vida que tem afetado negativamente o conceito do matrimônio e do casal homem e mulher”. “A cultura atual fala de família, referindo-se a todas as suas formas, como se as diferentes situações pudessem se tornar modelos”. Estas são apenas algumas das passagens mais fortes da entrevista que o cardeal Robert Sarah, presidente do Pontifício Conselho ‘Cor Unum’, condeceu a ZENIT, durante a qual ele falou do Sínodo e contou como a África sofra negativamente pelas “ideologias nocivas importadas do mundo rico, do paganismo, e da poligamia”.

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ZENIT: Qual é o maior desafio para a família hoje?

Cardeal Sarah: É necessário esclarecer, porque o debate sobre a admissão dos católicos divorciados e recasados à Eucaristia tem captado a atenção dos meios de comunicação, ofuscando os desafios reais que afetam as famílias de hoje. A crise da família vem do conceito relativista que mudou o conceito de matrimônio e de vida conjugal. O conceito cristão do matrimônio e da família afirma que é a união entre um homem e uma mulher que, juntos, se comprometem com o crescimento da família no mundo. É uma definição que nem todos concordam. A cultura atual fala de família sem especificar nenhum significado específico. A sociedade fala de família em todas as suas formas – biológicas, com pais adotivos, homossexuais – como se todas essas situações pudessem se tornar modelos, quando, na realidade, são simplesmente uma expressão trágica de problemas individuais. Em termos de realidade, devemos também considerar as causas sociais e econômicas que contribuem para o enfraquecimento da família. E então, como vimos no Sínodo, os problemas que afligem as famílias na África são diferentes dos de outros países.

ZENIT: Pode explicar-nos melhor quais situações está enfrentando o seu continente?

Cardeal Sarah: A cultura tradicional africana está centrada na família. O conceito de família é assim tão difundido e profundamente enraizado que pode ser considerado uma característica peculiar da tradição africana. Na cultura do meu continente, a vida e os valores da família são sustentados e promovidos com entusiasmo, e os papéis de homens e mulheres são fundamentais: um não pode existir sem o outro. Ambos são necessários para a tarefa de criar e educar os próprios filhos. No entanto, a família africana foi atacada por ideologias ocidentais que buscam confundir e poluir a relação entre homens e mulheres. A ideologia do “gênero” nega o plano de Deus para a família humana. O Criador, de fato, criou dois sujeitos a humanidade: o homem e a mulher, o macho e a fêmea. A ideologia de gênero expressa o desejo de grupos ideológicos que querem livrar-se daquilo que é uma questão de fato, uma determinação antropológica, teológica e ontológica que está inscrita na natureza. Este “modelo de gênero” incentiva a mulher a interpretar a sua relação com o homem de forma conflitante. Exalta-se a liberdade de escolha sobre a orientação sexual com a intenção de promover a cultura da homossexualidade também na África. Existem organizações ocidentais que procuram impor a ideologia homossexual na cultura Africana. A aceitação dessas ideologias prejudiciais é condição para receber ajudas humanitárias e financeiras para a África. Além desses desafios, as famílias africanas devem lutar contra a influência das culturas pagãs, como por exemplo a poligamia, e os efeitos nocivos da pobreza sobre a vida familiar.

ZENIT: Como é que esses temas foram discutidos no Sínodo?

Cardeal Sarah: Durante o Sínodo, houve recomendações para afirmar e promover o ponto de vista da Igreja Católica sobre o matrimônio e a família. Trata-se de uma visão que a Igreja herdou através de milênios de fé e de tradição. Precisamos ouvir novamente o que Jesus disse: “Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os criou homem e mulher e que disse: ‘Por isso o homem deixará o pai e a mãe, e se unirá com a sua mulher, e os dois serão uma só carne?’ Assim, eles já não são dois, mas uma só carne; Portanto o que Deus uniu, que o homem não separe”. Nós temos que, com força e firmeza, defender os ensinamentos presentes na Sagrada Escritura e manifestados pelo Magistério da Igreja. Embora seja necessário que a Igreja enfrente estes desafios com uma abordagem pastoral.

ZENIT: Você acha que no próximo Sínodo veremos avanços concretos e positivos a este respeito?

Cardeal Sarah: Sim, a principal tarefa do Sínodo Extraordinário foi a de elaborar uma análise sobre a situação da família de hoje e os desafios que a Igreja deve enfrentar ao longo do seu ministério pastoral. Em vista disso, tenho a satisfação de ver que o Sínodo da família em 2015 será dedicado ao tema da vocação e da missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. Vamos ouvir os ensinamentos de Deus e os ensinamentos da Igreja.

ZENIT: Qual é a abordagem do Papa Francisco sobre estas questões?

Cardeal Sarah: O Santo Padre está bem ciente do sofrimento das famílias. Sente a dor e o transtorno que muitas famílias estão enfrentando. A sua intenção é que a Igreja dedique dois anos para rezar e refletir sobre a família na perspectiva da nova evangelização. O Papa vê a Igreja como uma mãe que verdadeira e seriamente se preocupa pela família. O Santo Padre tem acompanhado de perto o Sínodo. Acredito que neste período de nova evangelização para a Igreja, as circunstâncias difíceis de muitas famílias e as dificuldades que enfrentam estão muito perto de seu coração. É por isso que ele convocou o Sínodo. 

 

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